Conclusões

A análise do problema da prioridade da ideia de aplicação do selénio na telescopia eléctrica, permite concluir que:
a) -
utilizando-se como critério de prioridade a data de publicação do artigo divulgador, verifica-se que o Prof. Adriano de Paiva foi o primeiro a apresentar a ideia de aplicação do selénio na telescopia eléctrica;


A questão de atribuição da prioridade na descoberta desta aplicação do selénio não é fácil, porque quase todos os primeiros autores referiram no primeiro artigo que publicaram que tinham iniciado os estudos muito antes dessa publicação: Adriano de Paiva escreve que iniciou as reflexões quando tomou conhecimento do telefone de Bell (fim de 1876, início de 1877), Senlecq (iniciou em 1877) e G. R. Carey (após conhecer a descoberta de L. May, 1875); mas essas datas não são precisas nem podem ser comprovadas.

Adoptando-se como critério de prioridade a data da primeira publicação, verifica-se que a prioridade na formulação da ideia de aplicação do selénio na telescopia eléctrica pertence ao Prof. Adriano de Paiva (Março de 1878), face a C. Senlecq (Janeiro de 1879), a C. M. Perosino (Março de 1879) e a G. R. Carey (Junho de 1880). Este foi, também, o critério de prioridade utilizado em 1907 pelo Prof. A. Sousa Pinto, e, em 1976, por R. W. Burns.

b) -
a divulgação da ideia do Prof. Adriano de Paiva foi muito restrita em Portugal e diminuta no estrangeiro;


É notória a diferença de audiência atingida pelas duas publicações em confronto: enquanto que a revista "O Instituto", onde em Março de 1878 foi publicado o artigo do Prof. Adriano de Paiva, se dirigia a um público de língua portuguesa curioso, com interesses variados mas pouco numeroso, a revista "Les Mondes" de Paris, onde em Janeiro de 1879 foi publicada a notícia das actividades de C. Senlecq, tinha uma distribuição vasta e mundial e servia de fonte de notícias a outras publicações, como o jornal "Nature" de Londres.

c) -
o contexto nacional em que decorreu esta descoberta, e o comportamento ulterior duma classe científica pequena, mesquinha e fútil, propiciaram o esquecimento do Prof. Adriano de Paiva e impediram o reconhecimento do verdadeiro valor da sua ideia;


Em 1878 a sociedade portuguesa considerava-se servida com o sistema de telecomunicações telegráficas e admirava-se com essa nova maravilha: o telefone. Não contribuindo com soluções inovadoras para o desenvolvimento desses meios de comunicação à distância, alguns práticos e electricistas iam, no entanto, introduzindo algumas alterações aos sistemas importados.

Existia um ambiente científico suave e regrado, que permitia a escrita em algumas poucas revistas científicas, ou literárias, de artigos interpretativos, ou de comentário, ou o anúncio de qualquer recôndita particularidade científica entretanto vislumbrada à margem das preocupações científicas dominantes. Nesse tempo, as Escolas Superiores seguiam um ensino magistral, baseado na exposição de um livro estrangeiro adoptado, e, eventualmente, acompanhado de algumas aulas laboratoriais repetindo experiências didácticas.

Neste contexto social não é de estranhar que não fosse apreciado e divulgado o verdadeiro valor do trabalho do Prof. Adriano de Paiva - mera apresentação de reflexões contendo uma ideia original - e reconhecidos os principais defeitos - sem experimentação laboratorial e sem concretização da ideia num aparelho.

d) -
a ideia do Prof. Adriano de Paiva constitui um muito pequeno contributo científico, mas que deve ser realçado, face à insignificante participação dos portugueses no desenvolvimento da Electrotecnia.


Para além da actividade de comentadores ou de divulgadores não é possível realçar nessa época qualquer descoberta marcante ou acto científico significativo em Portugal no domínio da Electrotecnia, senão a exposição da ideia do Prof. Adriano de Paiva.

A exposição da ideia de visão de objectos à distância com aplicação do selénio pelo Prof. Adriano de Paiva e a sua prioridade mundial constitui um facto histórico, no âmbito da História da Electrotecnia, que se pode integrar no problema mais geral da insignificante participação dos portugueses nas descobertas e no desenvolvimento da Electrotecnia.


Manuel Vaz Guedes
Setembro-1998