Ponte Pênsil - Curiosidades

Um documento satélite de "As Pontes do Porto"

por Manuel de Azeredo

Evolução das pontes suspensas até à construção da Ponte Pênsil

Em 1843, quando foi inaugurada a Ponte Pênsil, havia já uma experiência considerável na construção de pontes suspensas.

Sem nos determos nas pontes artesanais de cordas balançando entre as encostas de uma ravina, cuja origem se perde nos primórdios do próprio homem, é no século XVIII que se encontram as primeiras obras com um carácter de permanência e funcionalidade, de tal modo que se possa fixar aí o início da aplicação sistemática deste tipo de pontes.

No quadro seguinte resume-se a evolução das pontes suspensas até à construção da Ponte Pênsil.

 

Ano
Designação
Local
Autor
Características
1741P. de Hutchinson Sobre o Tees no NE de Inglaterra   Vão 20m; largura 0.70m; 2 Cadeias de ferro
1783Ponte de Lahn. Alemanha   Vão 30m
1801Jacob's Creek. Pensilvânia, USA James Finley  
1807P. sobre o Potomac USA  Vão 40m
1809  P. de Newburyport Massachusets, USA   Vão 74m
1816  P. de Schuylkill Falls USA Erskine Hazard e Josiah White Vão 124m, de cabos
1820P. de Berwick Sobre o Tweed, Inglaterra Cap. Samuel Brown vão 132m entre suspensões (compr. do tabuleiro 110m); 2 x 6 cadeias
1822 (?) P. Delessert Passy, Paris  vão 52m; larg. 1.20m; 2x4 cabos de fio de ferro e 2 cadeias; torres de 4m de altura em madeira
1823P. de Saint Antoine Genebra, Suiça Coronel Guillaume-Henri Dufour 2 vãos de 33.45m e 23.07; larg 2.0m; 6 cabos de fio de ferro, cada um com 90 fios nº 14 (1.9mm); fios paralelos amarrados a espaços regulares.
1824P. de Tournon Sobre o Ródano entre Tain e Tournon Marc Seguin (e seus irmãos) 2 vãos de 85m; larg. 6.20m; 2 x 6 cabos de 112 fios paralelos de 3mm; tabuleiro em madeira.
(?)P. sobre o Galaure 15 km a N de Tournon Seguin Vão 30m; altura acima da ága 5m; larg. 1.65m; 4 cabos de fio de ferro nº18
1826P. de Menai Liga o País de Gales a Inglaterra Thomas Telford Vão 176m
1826P. des Invalides Paris Henri Navier Vão 100m; larg. 10m; A ponte foi demolida quando quase pronta, devido a acidentes com condutas que danificaram gravemente os maciços de ancoragem.
1834P. de Friburgo Suiça Joseph Chaley Vão 271m
1835P. de Cubzac Sobre o Dordogne Vergès, Bayard e Quénot 5 vãos de 109m; comprimento total da parte suspensa 550m
1838P de Angers Angers Joseph Chaley e Bordillon Em 16 de Abril de 1850, sob vento forte e ao ser atravessada por um batalhão de 487 pessoas, ruiu, morrendo cerca de 200
1839P. de La Roche-Bernard Morbihan, França Pierre Leblanc Vão 198m; 33m acima do nível da água. Em 1852, ruiu o tabuleiro após a rotura dos cabos de um dos lados.
1839P. de la Caille Sabóia, Itália Charles Berthier (francês) Vão 198m.
1840P. de Goteron Suiça   Vão 227m.
1843 P. Pênsil do Porto Portugal  Stanislas Bigot Vão 170,14m.
1847P. de Tournon (reconstrução) T, França Seguin Reconstrução da ponte de 1824 a uma altura maior e usando os mesmos cabos. Foi demolida apenas em 1965

(Fontes: Marrey, B.- Les Ponts Suspendus; Picon, A. (dir) - L'Art de L'ingénieur; Matos, A. Campos e - A Ponte Pênsil do Porto. Nem sempre as fontes consultadas coincidem)

No seu livro "Les Ponts Modernes. 18e - 19e siècles", Bernard Marrey refere que em Portugal, em 1811 durante as invasões napoleónicas o general francês Louis Tirlet terá feito construir uma ponte suspensa de 27m de vão suportada por 6 cordas de 4cm de diâmetro para passagem do seu equipamento militar. Uma das cordas rompeu à passagem de uma peça de artilharia puxada por 4 cavalos, perfazendo um peso total de 4800kg. Foi talvez a primeira ponte suspensa em Portugal.

Pontes suspensas de cadeias ou de cabos?

As primeiras realizações de pontes suspensas adoptaram as cadeias como elementos de sustentação. Cedo porém se percebeu que estas correntes eram demasiado perigosas já que um único elo deficiente punha em risco toda a obra.

Sigamos o raciocínio de Marc Seguin, o grande construtor destas pontes no início do século XIX:

"O emprego do fio é fácil e seguro, e pode-se executar com facilidade em qualquer local sem necessidade de submeter os cabos às máquinas de ensaio, operação indispensável para correntes em que um só defeito de fabrico ou soldadura imperfeita num dos elos compromete a corrente toda; enquanto que o fio de ferro (…) uma vez que os feixes são apertados a intervalos regulares de modo a que não possam escorregar uns sobre os outros, a rotura de um deles não enfraquece o cabo senão no peso que suportava." (peso aqui refere-se a tensão.)
A obra mais famosa de Seguin, que com os seus irmãos se supõe ter construido várias dezenas de pontes suspensas, é a ponte de Tournon sobre o rio Ródano, construida em 1825 e reconvertida pelos próprios Seguin em 1847, com solução estrutural semelhante à da ponte do Porto, embora com 2 vãos

Seria muito parecida aquela que o mesmo Stanislas Bigot se propôs construir ligando a Praça de S. João Novo a Gaia, com um "grande arco triunfal no meio do rio", dividindo o espaço a vencer em dois vãos de 120m. Este projecto foi abandonado e posteriormente substituido pelo da Ponte Pênsil.

Embora Bigot não seja referido na literatura francesa, deve ter tido contacto muito próximo com a obra dos Seguin.

A Ponte Pênsil

A memória "Pont Suspendu de Porto. Détails des Travaux, suivi de Trois Planches Explicatives. Par Stanislas Bigot, Ingénieur Civil." publicada em Lisboa em 1843, descreve com grande pormenor a ponte Pênsil e a sua construção.

A ponte é suspensa de 8 cabos, quatro de cada lado e dispostos a par. Cada um dos cabos é formado 400 por fios de ferro de 3,2mm dispostos em feixe de fios paralelos. Os fios são "atados" a espaços regulares por várias voltas de um arame mais fino. Esta disposição era comum na época.
Os cabos foram fabricados num estaleiro preparado para o efeito na praia de Miragaia, cerca de 1 km a juzante do local da ponte. Aqui se desenrolaram as principais operações de fabrico. O fio de ferro era revestido de uma película de óleo de hulha (no original huille de houille - provávelmente creosol, um óleo que se obtém a partir do alcatrão de hulha) fazendo-o passar por uma caldeira em que o óleo era mantido aquecido. Os fios eram a seguir colocados em estendais para secagem. Só depois se procedia à sua aplicação para formar os cabos em cavaletes apropriados.
O fio era disposto continuamente dando a volta em cada extremidade e regressando à extremidade oposta. Assim as extremidades de cada cabo formam um olhal que servirá para o ligar, através de uma cavilha às amarras de ancoragem, duas por cada extremidade de cabo.
Havia portanto necessidade de executar emendas não só sempre que terminava uma bobine mas sobretudo porque o fio tinha frequentes defeitos, detectados por passagem entre os dedos, que obrigavam a rejeitar certos troços. A emenda era executada conforme a figura, sobrepondo as pontas a emendar e enrolando um arame mais fino. As extremidades eram espalmadas para melhor ancorarem a ligação.
Todas as emendas eram ensaiadas através de um dispositivo de alavanca manobrado por um homem. Para mostrarem como o trabalho era em feito, diz Bigot, por vezes dois homens ao mesmo tempo forçavam a ligação até à rotura que ocorria a um ou outro lado do segmento da emenda.
Eis o provável aspecto final dos cabos, aqui numa fotografia tirada por ocasião da demolição em 1965 da Ponte de Tournon, a que já nos referimos e fora reconstruída em 1847.

Os cabos apoiam-se em 4 obeliscos de cantaria dois em cada margem sendo os da imagem os que ainda existem do lado do Porto. Apresentam a curiosidade de entre eles se ter construido a fachada de uma casa que servia de apoio aos funcionários da ponte. Neste desenho do projecto o remate da fachada difere do que existe actualmente.
Os cabos, 4 de cada lado, atravessam os obeliscos em janelas situadas logo abaixo dos capiteis, apoiando-se em cilindros de ferro fundido que permitiam algum movimento. Ligavam-se em seguida às amarras fortemente ancoradas em poços verticais cavados na rocha.

Na figura, parte do corte longitudinal em que esta disposição é bem visível.


Pode também observar-se, em conjunto com a planta ao lado, a disposição do acesso lateral do lado do Porto.

Desde cedo, dúvidas quanto à segurança!

A Ponte Pênsil acabou de construir-se em 1843, mas deveria apresentar oscilações apreciáveis de tal modo que parece que não inspirava muita confiança.

A situação ter-se-á agravado quando em 1850 se dá o desastre na ponte de Angers e, logo em 1852, na Ponte de La Roche-Bernard, ambas do mesmo tipo (ver quadro acima).

Estes acidentes estão certamente na origem da determinação de proceder a cuidadosa verificação quanto à segurança da ponte. Em 1853 o director das obras públicas do Distrito do Porto é encarregado de realizar testes com vista à avaliação da capacidade da ponte, provas que levou a cabo nos dias 18 e 19 de Março e "em resultado das quaes se vê que a flexa do arco formada pelo cabo de suspensão não excedêra, durante todo o tempo que a ponte esteve carregada, a 47 centimetros, e que o mesmo cabo, depois de feita a descarga, tornára immediatamente ao seu estado ordinario, sem que apparecessem ruinas em parte alguma da dita ponte".

Este despacho assinado por Fontes Pereira de Melo prossegue referindo deverem, portanto, desvanecer-se todas as dúvidas quanto à segurança mas que "…determina outrossim Sua Magestade a Rainha que o referido director proceda todos os annos a um minucioso exame da dita ponte…"

Em 17 de Janeiro de 1877 terminou a concessão da empresa construtora e foram efectuadas novas provas que se revelaram satisfatórias. Porém, as suspeitas continuavam e o Ministro da Obras Públicas António de Serpa Pimentel elabora a proposta de lei para a realização de "concurso para a construcção de uma ponte metallica sobre o rio Douro, no local que se julgar mais conveniente em frente da cidade do Porto, para substituir a actual ponte pensil."

No preâmbulo do mesmo projecto de lei entre outras razões uma de grande peso: "parte dos seus cabos de amarração estão contidos em cofres que não podem ser visitados… podendo dar-se o caso de que os fios de ferro tenham n'esses pontos soffrido mais ou menos oxydação, e perdido portanto, parte da sua resistencia."



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Começou a construir-se em Fevereiro de 1998

Última actualização 30 de Junho de 1998


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