EXPRESSO 22.12.2001

Casa da Música: os desconcertos

Agostinho Ricca (Arquitecto)
 

MUITO tortuoso correu o processo do concurso da Casa da Música da Cidade do Porto.

Em 1999, a Sociedade Porto 2001 não fazia a mais pequena ideia do que poderia ser ou como viria a ser concebido o edifício
para o auditório ou auditórios necessários à efectivação de concertos de música de câmara e de música sinfónica.

A ambição da Sociedade não passava da adaptação da pequena sala do Cinema Batalha e do Teatro Águia Douro.

Como me afirmaram personalidades destacadas, a Casa da Música teria de ser construída no centro da cidade e, portanto, as
duas salas dos Cinemas na Praça da Batalha eram a localização ideal!!!

Perante afirmações tão peremptórias resolvi meter mãos à obra e fazer um projecto do Palácio da Música com um programa
sem paralelo com o que poderia caber nas salas do Cinema Batalha e Águia d’Ouro; dois auditórios, um de 1100 lugares, para
música sinfónica, e outro de 350, para música de câmara, um café-concerto, biblioteca e audição de CD, restaurante e bar,
dependências da administração, salas de ensaios, etc. etc., localizado no Parque da Cidade, com o enquadramento da
exuberante arborização e dos lagos daquele parque: enfim, o Palácio da Música que a cidade necessita, um lugar poético como
são as envolventes dos modernos Palácios da Música de muitos dos países da Europa — Helsínquia, Tampere, Micaeli, St.
Gallen, Salford, etc.

Como este projecto foi apresentado na TV e nos diários do Porto, a Sociedade 2001 então acordou e resolveu promover um
concurso entre arquitectos com pré-qualificação num terreno da Rotunda da Boavista (um dos locais mais ruidosos da cidade).

Com uma decisão sem desculpa, a Sociedade 2001 desconhece todos os arquitectos portugueses que se apresentaram ao
concurso e somente aceita — ou convida? — sete arquitectos estrangeiros, dando assim uma prova de desconfiança da
capacidade dos nacionais para a tarefa! E como programa, copia «ipsis verbis» o que estabeleci para o meu Palácio da Música
e também o limite do seu custo — 3 milhões de contos.

Mas o concurso saiu furado, pois das sete equipas convidadas ou admitidas somente três se apresentaram e foi então
seleccionado o projecto de Rem Koolhaas, holandês. Como é de regra de qualquer país civilizado, seria de promover uma
exposição dos três trabalhos, dando a conhecer o resultado à população portuense. Mas nada disso aconteceu:

O secretismo da Sociedade 2001, depois do insucesso do concurso, que foi muito mal equacionado e com um prazo de
entrega insuficiente, levou a não elucidar a cidade do que se pretendia construir e foi através da publicação do projecto de Rem
Koolhaas no jornal da Ordem dos Arquitectos que pude avaliar o que a Sociedade Porto 2001 tinha aprovado.

É uma arquitectura que parte de um sólido informal onde são «ad libitum» introduzidas as várias peças solicitadas no programa,
encafuadas de modo que parece desordenado a encostar ou dilatar as paredes do sólido, que darão em definitivo a forma e
volume do edifício.

Este é um processo que em Arquitectura consideramos errado, porque as peças que compõem um edifício devem ser
criteriosamente dispostas, tendo em vista a organização dos espaços e a sua interligação, e daqui resultando uma configuração
harmoniosa que acusa a hierarquia das peças que compõem o seu todo.

Verifiquei que o edifício não seria um cristal, como o classificou o ministro Carrilho, nem um meteorito e nunca um ícone, como
também foi admitido, mas sim um monstro de betão de 40 metros de altura em frente do monumento da Guerra Peninsular do
Arquitecto Marques da Silva, a contrastar com a cércea dos edifícios mais altos — 21 metros — da Rotunda da Boavista.

Para ser mais explícito, a altura de um edifício de habitação de 13 andares.

Uma arquitectura desumanizada, indiferente à escala humana.

Agora, perante um projecto sem quaisquer qualidades, implantado num terreno impróprio para receber uma peça da
importância da Casa da Música, entendo que se deveria elucidar convenientemente a população da nossa cidade e promover
um referendo, de modo a permitir que os portuenses se pronunciem, uma vez que já não estão em ditadura e as populações
têm o direito de serem ouvidas.

Não se pode atabalhoadamente construir um edifício que não é mais do que um monstro de betão, que ainda não saiu do solo,
um monstro intimidante.

A Casa da Música ou o Palácio da Música que fique também para os vindouros e de que nos possamos orgulhar.

Recebi já muitos apoios de arquitectos, de engenheiros e outros. O arquitecto Siza Vieira já declarou que o edifício «arrasa» a
praça da Rotunda da Boavista.

Da faculdade de Engenharia, os engenheiros da área da Acústica reprovam a sua construção e também a Escola das
Artes da Universidade Católica entende que o edifício de Koolhaas é profundamente desestabilizador e sem qualquer espécie
de relação com o local.

A faculdade de Arquitectura não aplaude nem reprova...

Entendo que é necessário travar o processo.

A insistir em prosseguir as obras, certamente a população do Porto responsabilizará a Sociedade Porto 2001 pelos maus
serviços prestados à cidade.

E razão suprema: a Casa da Música está já muito além do «plafond» de custo defendido pela Sociedade Porto 2001, três
milhões e duzentos e cinquenta mil contos — se for construída atingirá os 12 a 15 milhões de contos.