Apreciação às críticas feitas ao Relatório da CCI

 

Face às enumeras críticas feitas ao Relatório da Comissão Científica Independente, é útil fazer o balanço de tais perspectivas com a matéria científica e técnica que constitui o fundamento para as recomendações elaboradas pela Comissão a respeito da co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) para os quais não há melhores alternativas de valorização/eliminação.

 

 

Aspectos Científicos e Técnicos Essenciais

 

Os processos de queima de resíduos

No Relatório, a CCI compara diversos processos de queima de resíduos: gaseificação, pirólise, incineradora de infravermelhos, incineração dedicada, co-incineração. Das diversas características de desempenho, de implantação industrial a nível europeu e americano, conclui-se que os mais seguros e fiáveis, sob a perspectiva ambiental e em operação corrente, são a incineração dedicada e a co-incineração. Para comparar entre si os dois últimos métodos recorreu-se à legislação americana, aos relatórios técnicos MACT de centenas de páginas, publicados em 1999 (USEPA), pela Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos. Recorreu-se igualmente a três Análises de Ciclo de Vida (LCA) que comparam entre si estes dois métodos.

Foram estes documentos postos em questão pelos nossos críticos? Foi o recurso à metodologia do impacto global dos LCA considerado um método inapropriado para decisões de impacto ambiental? Nada disto foi posto em causa, pelo que a essência da decisão para a escolha do melhor método de queima não foi posta em questão em termos científicos.

 

Implantação da co-incineração na União Europeia

Para todo o cientista que respeite a universalidade da ciência, senão não está a actuar como cientista, é reconfortante constatar que a co-incineração tem uma apreciável implantação a nível da UE (em doze países), da Suiça e dos Estados Unidos.

Na UE haverá presentemente cerca de 50 cimenteiras a operar em co-incineração que devem queimar cerca de 1,5 milhões de toneladas de resíduos industriais. Em França, onde há informações mais pormenorizadas, a incineração dedicada e a evapo-incineração estabilizaram a partir de 1994-95, enquanto que a co-incineração continua a crescer, com um ritmo de 5% ao ano. O seu crescimento entre 1989 e 1999 foi cerca de 84%.

Aqueles que afirmam que a "co-incineração é perigosíssima" são os mesmos que se preocupam com a credibilidade do nosso relatório a nível da UE e que, convenientemente, ignoram o que se passa em termos legislativos, industriais e de prevenção de riscos nestes países, que usufruem de uma cultura de segurança muito superior à portuguesa.

 

Requisitos técnicos

Tomando excertos de um seu relatório a apresentar ao CRUP e publicado no Diário de Coimbra de 16 de Junho, DD afirma: "a CCI «nunca explicita os requisitos técnicos exigidos a uma incineradora dedicada e à co-incineração em cimenteiras», porque, se «fosse imposto o mesmo limite de NOx, CO e metais pesados, o equipamento adicional que seria necessário tornaria economicamente impraticável a co-incineração»". Porque será que a UE não leva em conta as ideias do Prof. Delgado Domingos e obriga as cimenteiras a ter o mesmo limite de NOx (o único que verdadeiramente está em questão da lista referida por DD) que nas incineradoras dedicadas? O NOx é inerente à produção do cimento. Há tecnologias que os podiam baixar, mas criam impactos ambientais de uma poluição de amoníaco que pode ser mais grave que o problema que querem resolver, como alerta um relatório elaborado pela Câmara dos Lordes. Não só há reservas ambientais como há problemas económicos e, sensatamente, a UE tem em conta a sua competitividade numa economia global. Há que aguardar pelo sucesso tecnológico de um catalisador de partículas de óxido de titânio depositado em grafite activada e incorporado em placas de teflon. Por acção da luz ultravioleta do Sol, oxida o NOx e o SO2 que por lavagem poderão ser transformados em ácidos nítrico e sulfúrico e, subsequentemente, neutralizados. A tecnologia está a ser desenvolvida no Japão para automóveis, mas poderá ter outras aplicações se for tecnologica e economicamente possível (Courrier International, nº 497, 11 Maio de 2000).

 

Localização das unidades de co-incineração

Quanto à escolha da localização das unidades cimenteiras recomendadas para a co-incineração, encontrámos a indicação de duas cimenteiras. Este número parece razoável para permitir não parar a valorização/eliminação de RIP pré-tratados nos períodos de paragem das cimenteiras, que assim poderão ser desfasados. Não tivemos razões objectivas para alterar este número de dois. Ao eliminarmos Maceira, havia que propor outra cimenteira. Dado o bom desempenho de Outão só se justificaria a sua exclusão se houvesse indicações científicas ou antropológicas que num parque natural "se devem salvaguardar mais as espécies vegetais e animais do que as pessoas", o que até agora nenhum dos nossos críticos propôs. Talvez seja útil recordar que Souselas é a cimenteira mais nova no nosso país, cuja implantação em Coimbra foi objecto de alguns estudos na Universidade de Coimbra, e que foi fortemente defendida pelas forças vivas da cidade e pelo jornais de Coimbra, sendo veementemente rejeitados os que se opunham a uma tal implantação. No que concerne à emissão de dioxinas o problema não reside na co-incineração mas na própria cimenteira. E a esse respeito não julgamos que a orientação dos ventos dominantes tenha rodado de 180° nestes últimos trinta anos.

 

Níveis de emissão de dioxinas por cimenteiras

As duas questões de maior preocupação em termos de saúde prendem-se com a emissão de dioxinas e a concentração de metais pesados num cimento. Quanto à emissão de dioxinas por cimenteiras há um estudo bem recente (1999) para cerca de 120 cimenteiras (Figura 4.3, pág. 161 do Relatório, editado em livro). Neste estudo verifica-se que as cimenteiras a queimar RIP ou combustível normal produzem o mesmo nível de dioxinas. Ainda se verifica que o nível de dioxinas só depende da temperatura do sistema de despoeiramento. É por tal razão que se prevê que os filtros de mangas baixem o nível de emissão de dioxinas, se operarem a temperaturas mais baixas do que os actuais filtros electrostáticos. Não é por reterem as partículas de dioxinas.

As moléculas orgânicas do combustível, dos RIPs ou mesmo da matéria prima são completamente destruídas (>99,99% ou mesmo >99,9999% para as dioxinas) no interior do forno; daí não haver diferença entre o combustível normal e o combustível alternativo dos RIP. A formação de dioxinas nas cimenteiras resulta da denominada síntese de novo no despoeirador, a partir de alguns fragmentos aromáticos e de pequenas moléculas. Ao contrário do que o Prof. DD insinua, invocando aqui uma contradição, a CCI apercebeu-se perfeitamente deste processo. Mas tal não ocorre no forno, nem a partir de átomos ou pequenas moléculas como CO, dióxido de carbono, água, CH2, CH3, etc., deles provenientes; uma restrição cinética que pode ser traduzida por "entropia de activação", questão que um colega químico do Técnico já lhe explicou anteriormente, nestes ou noutros termos, mas que, pelos vistos, DD ainda não entendeu.

É óbvio que no interior do forno de uma cimenteira de maior temperatura e tempo de residência do que no forno de uma incineradora dedicada, a destruição das moléculas orgânicas nunca pode ser inferior à de uma incineradora dedicada. O nível de emissões de dioxinas pelas cimenteiras depende do conteúdo em moléculas orgânicas da matéria prima para o fabrico de cimento. A necessidade de arrefecimento dos gases nas cimenteiras a co-incinerar já foi praticada em algumas cimenteiras estrangeiras, quando a natureza da matéria prima o requeria. Dado o baixo nível de emissões de dioxinas, já medidos para as cimenteiras portuguesas, tal não é o caso entre nós. Quanto às incineradoras dedicadas para RIP recorrem mais à remoção de dioxinas por carvão activado, pois o seu poder de destruição no forno é um pouco inferior ao dos fornos de cimentos. E um dos dirigentes técnicos de uma unidade que visitámos, referiu-nos que seria desejável que o forno da incineradora fosse um pouco maior para uma mais eficiente destruição no forno, com economias no carvão activado.

Neste mesmo enquadramento se situa a contradição que este Professor do Técnico apresenta no Público de 16 de Junho sobre duas frases do Relatório sobre a emissão de dioxinas e que refere como "erros de Termodinâmica no sentido lato". Mas convém dizer algo mais. A problemática dos passos de destruição e re-formação de moléculas nos sistemas de queima é uma questão do âmbito da Cinética Química e não do âmbito estrito da Termodinâmica. Sem dúvida que os factores termodinâmicos desempenham um papel na velocidade das reacções químicas. Mas não são factor único, pois intervêm factores de índole molecular (curvas de energia potencial das ligações químicas) e de factores electrónicos. Se assim não fosse era incompreensível o facto do monóxido de azoto (NO) ser um poluente. Segundo a Termodinâmica este gás devia decompor-se facilmente em azoto e oxigénio atmosférico. Mas esta decomposição é tão lenta que não compete com a transformação de NO em dióxido de azoto (NO2) que é tóxico. Tudo isto, apesar da reacção de formação de NO2 ser, em condições correntes, termodinamicamente quase um milhão de um milhão de um milhão de vezes menos favorável ??.

Os máximos legais para as emissões de dioxinas são os mesmos para cimenteiras a co-incinerar, para incineradoras dedicadas à queima de RIP e para incineradoras de resíduos sólidos urbanos, como a Valor Sul em Lisboa, estranha-se a oposição focalizadade alguns somente à co-incineração ou igualmente à incineração dedicada.

 

Metais pesados e lixiviação de cimentos

O Relatório da CCI dedica quatro páginas ao problema dos metais pesados em cimentos e aos testes de lixiviação. Neste relatório a CCI refere, a respeito de testes de lixiviação em laboratório que "a sua fiabilidade não é totalmente segura, principalmente nos efeitos a longo prazo, devido à dificuldade de aferição com dados reais." (pág. 191). DD insurge contra o facto de a CCI não citar do estudo da KEMA,

"We recommend the European Comission to perform (...) a neutral and objective assessment of the influence of waste burning on cement industry (…) to determining the leaching rate, in both the short and the long terms, of heavy metals incorporated in the cement."

Esta frase nada diz mais que os testes de lixiviação não são fiáveis. Nós registámos este facto como foi acima referido, mas com base em estudos experimentais.

Dada a menor fiabilidade de tais testes, recomendamos a imposição de limites para os RIP pré-tratados à entrada do forno das cimenteiras, recorrendo à legislação francesa que, sob este ponto de vista, é mais restritiva que a europeia. Com tais limites assegura-se que a concentração de metais pesados nos cimentos produzidos com co-incineração não ultrapassa o máximo de concentração dos mesmos metais em cimentos comerciais fabricados sem co-incineração (Tabela 7.2 pág. 247 e Tabela 4.5 pág. 257). Com uma objectividade muito selectiva, que lhe é reconhecida há muitos anos, o Prof. DD "côa o mosquito mas deixa passar o camelo". Por isso, não reparou no que a respeito dos metais pesados de mais relevante a CCI recomenda.

A metodologia de restringirmos a concentração nos RIP a queimar, não foi posta em questão nem por DD nem por outros opositores. Igualmente, não foi posto em dúvida que este procedimento evita os problemas com a concentração de metais pesados em cimentos.

 

Dioxinas e saúde pública

O sociólogo Boaventura Sousa Santos, dirigente da Pró-Urbe de Coimbra e professor na Universidade desta cidade, classificou o nosso "relatório de «bastante superficial e muito deficiente», isto porque não considera o debate que se vive na comunidade científica francesa e alemã, «nomeadamente pelas consequências que as dioxinas podem ter na saúde pública»". E não o consideramos, porque é um falso problema para a co-incineração em Portugal.

O inventário de dioxinas na Europa, realizado a pedido da UE por cientistas alemães, fornece uma estimativa grosseira para o nosso país, porque não há medidas directas em Portugal para todas as fontes de emissão. Ao contrário de alguns cientistas do nosso país, a UE prefere ter alguma ideia da escala relativa entre os diferentes países do que não fazer ideia alguma. É em relação a este valor global que a CCI apresenta uma estimativa de emissões de dioxinas devida à queima de RIP correspondente somente a 0,04% (Figura 2.1, pág. 44) do inventário global, trabalhando as cimenteiras sempre nos limites máximos permitidos por lei, o que não será o caso. Mesmo sendo aproximada esta percentagem tão pequena, quem poderá considerar em termos científicos, 0,04% importante em relação aos restantes 99,96%? Ninguém, e por isso na Alemanha, em França e noutros países da UE se considera hoje irrelevante o problema das dioxinas nos processos de co-incineração. Mesmo não conhecendo os riscos a longo prazo das dioxinas no homem, como referem outros críticos.

O verdadeiro debate diz respeito à presença de dioxinas na cadeia alimentar, pois é através dela que entram cerca de 90% das dioxinas presentes no ser humano. E este é um problema que depende do total de emissões de dioxinas em cada país e, dado que importamos mais de 50% da nossa alimentação, este é um problema verdadeiramente global.

No segundo quartel do século XVI Paracelsus proclama: "a dose faz o veneno". Para muitos dos nossos críticos parece muito mais que "a palavra faz o veneno". Claro que para miúdos esta é uma atitude muito sensata: "o menino não mexe, porque é veneno"; um verdadeiro "princípio de precaução". Mas porque para miúdos não existe o conceito de "dose". Agora não se trata de uma atitude científica. Por isso o problema da co-incineração não requer profundas considerações sobre os efeitos das dioxinas na saúde pública.

 

Com esta primeira secção se encerra o que de essencial estava em questão no Relatório em matéria científica e técnica. E das críticas apresentadas não resulta qualquer sumo que se tenha de tomar em consideração.

 

 

Criticismos sobre Pormenores Científicos e Técnicos do Relatório

 

Recomendação de co-incineração como "cientificamente duvidosa"?

O Diário de Coimbra de 15 de Junho apresenta mais alguns criticismos ao Relatório, uns sem sustentação científica outros sobre alguns pormenores do mesmo relatório que não incidem sobre matérias essenciais.

O Doutor Rui Alarcão terá classificado a decisão de co-incinerar resíduos perigosos como "cientificamente duvidosa". No contexto epistemológico toda a ciência é passível de uma dúvida metódica. Não obstante, a história das ciências revela o "método científico" como o melhor meio para interrogar a natureza. No contexto em que Relatório se situa, as conclusões científicas a que recorre já são bastante consensuais entre os especialistas destas matérias. É óbvio que o Doutor Alarcão está a fazer tais considerações como homem de leis e não como cientista, tal como nós não somos competentes para nos pronunciarmos sobre matérias de Direito, apesar de, como cidadãos comuns, vermos o Direito muito mais sujeito a controvérsia do que a Ciência.

 

O relatório da RDC e Kema

"«Chocante e abusivo» foi assim que DD explicou o uso dado pela CCI ao relatório da RDC e KEMA, um documento elaborado na sequência de um concurso promovido pela UE. Isto porque os autores desse estudo declaram que não fizeram determinados estudos, como um estudo comparativo da performance ambiental, mas a CCI diz que estes estudos foram feitos".

O título deste relatório é o seguinte: Comparative Study on the Environmental Performances of Co-incineration and Specialised Incineration. O balanço dos impactos ambientais figura na Tabela 4.5. O que este estudo não fez foi estimar o impacto da deposição de escórias em aterros industriais na incineração dedicada, como o nosso relatório indica (pág. 196, linhas 13-15). Sem dúvida que o nosso relatório apresenta dados para tais impactos e muitos outros (Tabela 4.6), mas provêm de outra fonte devidamente referenciada. Este é um bom exemplo da "exigência metodológica" deste professor do Instituto Superior Técnico.

 

Emissão de dioxinas na queima de madeira em lareiras

O exemplo das lareiras, que foi muito mediatizado, irritou muito os nossos críticos ao dar uma imagem simples que, segundo eles "ridicularizou a emissão de dioxinas por cimenteiras". De facto, revelou em termos simples que um tal efeito é desprezável ou banal. E isto desarmadilhou toda a estratégia dos nossos críticos de, perante a ausência de medições rigorosas para dioxinas em Portugal, não se fornecerem quaisquer dados quantitativos, para continuarem a afirmar que "a palavra dioxina morde venenosamente" e para que o "anything goes" do relativismo social do pós-modernismo possa campear sem peias.

Afirma DD que "dada a forma como o valor de «200 ng I-TEQ/kg lenha» é apresentado, ninguém de boa-fé iria supor que se tratava de um valor fabricado pela CCI". Tais estimativas são comuns em ciência, mormente com um objectivo pedagógico, em que se procura evitar sobrecarregar os exemplos com cálculos que não são fáceis de seguir pelo cidadão comum. Mas afinal, o que é que se fez, dada a incerteza das emissões na queima de lenha? Recorreu-se a um critério de minimização da incerteza: admitiu-se que se queimaria 50% de madeira limpa e 50% de madeira impregnada. Igualmente para a natureza da madeira impregnada se recorreu ao mesmo critério, recorrendo à média aritmética dos valores mínimo e máximo da emissão de dioxinas por queima de madeira impregnada.

O que é que um cientista faria numa circunstância como a referida pelo Prof. DD? Começava a estudar as referências sobre emissão de dioxinas que o Relatório apresentava; sem grande dificuldades encontrariam os dados para eles mesmos fazerem esta estimativa. E se tal não lhes fosse óbvio, inverteriam a questão. Que pressupostos tenho de fazer para alcançar o valor de 200 ng I-TEQ/kg? E se nada conseguisse escreveria aos seus colegas para se esclarecer mais profundamente.

Mas a atitude dos cientistas baseia-se numa norma de debate entre pares, entre iguais. A tomada de posição dos críticos foi inteiramente o oposto, pois foi de imediata divulgada nos jornais, porque não se consideram pares ou possuem outros interesses, tais como denegrir a credibilidade dos membros da CCI e fomentar o protagonismo pessoal a qualquer custo. Assim quebraram normas tácitas muito antigas sobre os comportamentos deontológicos em ciência.

Duas situações limites podem ser consideradas: queima de lenha com PCP 500 ng I-TEQ/kg e queima de madeira limpa 20 ng I-TEQ/kg. Isto equivale a algo como entre 70 e 1700 lareiras equivalente à queima de RIP numa cimenteira como Souselas. Os nossos críticos bem gostariam que tivesse utilizado somente o valor para a queima de madeira limpa, e de preferência em fogão fechado (2 ng I-TEQ/kg). Mas não foi esta precisamente uma das críticas que o painel de avaliadores fez ao inventário de dioxinas nos Estados Unidos? Terem desprezado para a queima residencial de madeira o facto de se usarem lareiras (fogões abertos) e a queima de madeira contaminada ou impregnada. Nas nossas lareiras, para além de as utilizarmos como incineradoras de resíduos sólidos domésticos, o que leva a uma maior emissão de dioxinas, queimamos madeira impregnada e contaminada. Portanto, uma estimativa de algo como entre duas a três centenas de lareiras é perfeitamente razoável. Agora nunca 170.000, 140.000 ou mesmo quinhentos mil como foi dito no Parlamento.

Algumas das estimativas dos nossos críticos vão mesmo ao ponto de considerar valores médios à escala nacional, com imensas lareiras vazias. Como é que de uma perspectiva nacional se consegue dar ideia de um verdadeiro efeito local?

Mas se nós quiséssemos verdadeiramente minimizar o número de lareiras teríamos recorrido à percentagem acordada entre o Governo e as cimenteiras, para a substituição de combustível normal por RIP pré-tratados, somente de 25%. Esta redução daria 140 lareiras em vez de 170.

DD no Público de 16 de Junho conclui que "com a arbitrariedade com que a CCI escolheu a quantidade de madeira limpa e impregnada a queimar em lareiras" "se poderia, com iguais escrúpulos e iguais critérios, e invocando o mesmo relatório australiano, também se poderia afirmar o contrário do que a CCI garantiu, e converter a produção de cimento na maior fonte de dioxinas em Portugal. A arbitrariedade foi somente a de recorremos a um critério de minimização da incerteza.

O nosso relatório refere as medidas de emissão de dioxinas para as cimenteiras portuguesas (pág. 250, alínea iii)) muito abaixo dos limites para a co-incineração. Será que agora as medidas experimentais não valem? A nossa estimativa para a emissão de dioxinas por cimenteiras em Portugal é de 0,9% do total de dioxinas. Como converter este valor em 50% ? Aumentando a toxicidade do combustível? Não resolve, porque as moléculas orgânicas são completamente destruídas nos fornos. Talvez multiplicando o número de cimenteiras em Portugal, e por 60 vezes (!). De novo DD é profundamente objectivo.

 

Credibilidade dos cientistas

A credibilidade dos cientistas perante os seus verdadeiros pares faz-se a nível internacional pelos seus contributos para a ciência: artigos científicos, livros, citações, convites para conferências e palestras, novas teorias e metodologias, teoremas e conjecturas, técnicas, algoritmos, etc. A credibilidade não provém de criticismos de pseudo cientistas com uma ínvia objectividade e que pouca ciência publicam a nível internacional.

Contudo, os cientistas têm uma obrigação perante a sociedade de transformar as suas linguagens próprias em exemplos mais acessíveis. Daí o exemplo da emissão de dioxinas por lareiras para dar uma imagem do efeito local da emissão de dioxinas na queima doméstica de madeira.

 

O conhecido controlado ou o desconhecido?

"A verdade científica só é verdade até ao momento em que é falseada". Isto é inteiramente correcto. Mas sejamos coerentes, o que será mais científico: os efeitos desconhecidos dos resíduos tóxicos espalhados por aí ou a queima em condições controlados com riscos que a ciência permite conhecer num contexto de algum cepticismo? Isto lembra uma estória de duas irmãs já com alguma idade e que viviam numa casa no termo de um lugarejo das Beiras. Tinham um cão que ladrava muito de noite o que as incomodava com receio de haver alguém a querer assaltá-las. O cão morreu e passaram a dormir muito descansadas e sem medo de assaltantes. Salutar senso comum, mas não se trata de uma atitude científica. Não continuamos nós a tomar medicamentos, apesar das várias contra-indicações que apresentam?

 

Óleos e solventes

Como refere o Diário de Coimbra "a CCI apresenta a co-incineração como o melhor destino a dar aos óleos e solventes. A Quercus demonstrou que há outras soluções para estes resíduos e trouxe exemplos..." De facto, a CCI assim o faz como base num LCA estudado pela Ecobilan, uma das firmas de liderança mundial na elaboração de análises de ciclo de vida, sob encomenda da Agência de Ambiente Francesa (ADEME). Bem procurámos estudos actuais da mesma índole e alguns nos foram prometidos pela Quercus, mas sem êxito.

Mas nós mesmos recomendamos que nesta fase de recentes evidências tecnológicas contrárias às directivas europeias, haja uma partilha de mercado entre as indústrias de reciclagem ou limpeza de óleos usados, ou indústrias em criação, com a queima em cimenteiras, devendo evitar-se situações de monopólio, para manter economicamente viáveis tais unidades de regeneração de óleos usados.

Contudo, em 6 de Junho fomos convidados pela Quercus para assistir ao seu seminário internacional sobre "Regeneração de Óleos Usados", o que muito agradecemos. Dois dos especialistas internacionais, E. Martin da CONCAWE e J. C. Cavil da Safety-Kleen Corporation, afirmaram: i) a reciclagem de óleos usados só é economicamente viável se subsidiada; ii) a queima de óleos em cimenteiras é uma forma segura de valorização/eliminação destes RIP.; iii) como os óleos reciclados não têm o desempenho dos óleos ultra-finos, 5 L de óleos reciclados causam um aumento de consumo de gasolina nos automóveis em mais 50 L, correspondendo a um percurso de cerca de 10.000 km; iiii) a existência de reciclagem de óleos não altera os quantitativos da importação do crude de petróleo: não se verifica a poupança de uma matéria prima não renovável.

 

Gralhas

Gralhas sempre as houve e haverá. Um de nós ainda se lembra de uma Universidade em que o prato forte das provas académicas passava muito pela discussão das gralhas das teses. Por vezes, não havia muito mais a dizer. Com trinta e cinco anos de Catedrático é compreensível que o Prof. Delgado Domingos mantenha a mesma atitude do passado. O toque de novidade é serem matéria de notícia de jornal.

Concordamos com o Prof. Delgado Domingos quando diz que é "a favor da boa engenharia, da boa ciência e de uma visão equilibrada e realista da sociedade portuguesa". Mas tal só está acessível aos que têm sensibilidades para as entender e capacidades para as fazer. Quanto à sua visão da sociedade portuguesa levá-la-ia a encontrar-se cada vez mais longe da Europa.