Lixeiras e Co-incineração

6 kg de Resíduos Urbanos queimados num bidão emitem mais dioxinas que a co-incineração de 2240 ton de RIP no Outão

 

A valorização energética dos resíduos é uma estratégia coerente com dois objectivos fundamentais: reduzir as emissões ambientais de um grande número de substâncias e reduzir o consumo de combustíveis fosseis.

Nas antigas lixeiras de resíduos urbanos, em que muitas vezes se juntavam resíduos industriais, era prática corrente a queima como forma de eliminação de restos de solventes, combustíveis e óleos contaminados, tinta, etc., bem como de redução do volume acumulado de plásticos, papel, madeira e texteis.

A combustão era realizada em condições particularmente más, com temperaturas baixas e carência de oxigénio, dada a acumulação dos resíduos. Como consequência dessa situação as emissões de substâncias perigosas atingiam valores altissímos, que se encontram referidos num trabalho experimental publicado pela Agência Norte Americana EPA, em que foram medidas as emissões resultantes da queima num bidão, de cargas com uma constituição média típica dos resíduos sólidos urbanos (*). Na tabela 1 podem observar-se os factores de emissão determinados, por kg de resíduos queimados "ad-hoc".

Tabela 1 - Comparação entre queima "ad-hoc" e queima controlada em incineradoras municipais; emissões em micrograma/kg

Poluentes
Emissões
Incineradora Municipal
Dioxinas
38,25
0,0016
Furanos
6,05
0,0019
Clorobenzenos
424.150
1,16
Aromáticos policiclicos
66.035,65
16,58
Compostos Orgânicos Voláteis
4.277.500
1,17

*Adaptado de "Evaluation of Emissions from the Open Burning of Household, Waste in Barrels", EPA, United States National Risk Management, Environmental Protection Research Laboratory, Paul M. Lemieux, March 1998

Num trabalho efectuado pela Universidade Nova de Lisboa (Francisco Ferreira e Rui Dinis) [1] foi feita uma estimativa das emissões das lixeiras nacionais comparando os cenários de 1990, 1995 e 2000, correspondentes à deposição inicial em lixeiras que vieram a ser substituídas por aterros e incineradoras (Lisboa e Porto).

Dividindo as emissões estimadas na referida publicação [1] pelas 341 lixeiras que se estima existiam em Portugal em 1995, obtemos o valor médio de emissão de cada lixeira:

Poluentes
Emissões anuais / Lixeira
Dioxinas/Furanos
160 g
Partículas
68900 kg

Considerando uma unidade de co-incineração como a cimenteira de Souselas (dois milhões de toneladas de clinquer por ano), com a emissão de 2,05 Nm3/kg de clinquer produzido, a operar nos limites previstos na Directiva 76/CE/2000 (art. 7.º) teremos as seguintes emissões anuais:

Poluentes
Limites 76/CE/2000
Emissões anuais Co-incineração
Dioxinas/Furanos
0,1 ng/Nm3
0.41 g
Partículas
30 mg/Nm3
123000 kg

Com a utilização dos filtros de mangas, os valores de emissão serão muito inferiores aos 30 mg/Nm3 que se encontram normalizados (variando entre 3.9 e 6.1 mg/Nm3 no mini-teste realizado em Souselas), pelo que se pode concluir que uma antiga lixeira emitia uma quantidade de partículas da ordem de grandeza de uma cimenteira.

Em relação às dioxinas, e tendo em conta a grande diferença dos valores encontrados, 160 gramas emitidos pelas lixeiras contra 0,41 g da co-incineração, as emissões de uma lixeira serão da ordem de 390 vezes superiores, o que significa que num só dia as emissões de uma lixeira eram superiores à da emissão anual da co-incineração.

Deve sublinhar-se que estes valores são de dioxinas totais e não dioxinas I-TEQ (International Toxic Equivalent) isto é, ajustados os valores multiplicando a concentração de cada dioxina por um indice que tem a ver com a sua toxicidade.

O mais recente inventário europeu para as emissões de dioxinas estima para Portugal emissões totais de 127 g I-TEQ (130 g I-TEQ em 1999). Nesta estimativa não foi considerada a hipótese de haver queima "ad-hoc" de resíduos que constitui o principal problema para o país, enquanto não for implantado um sistema seguro de tratamento de resíduos.

Estes valores estimados são concordantes com os obtidos a partir do estudo experimental da EPA, já referido, que apontam para uma produção de dioxinas e furanos da ordem dos 73 kg anuais, se fossem queimados na totalidade, o que nunca acontecia, as 1656 milhares de toneladas de resíduos depositados em lixeiras em 1995.

Uma comparação dos valores de emissão de dioxinas resultantes da queima "ad hoc" de resíduos urbanos num bidão (estudo da EPA), com a emissão medida pela CCI, resultante da co-incineração de residuos perigosos, nas condições usadas no teste do Outão, permite verificar que a queima de 6 kg de resíduos emite mais dioxinas do que as equivalentes à co-incineração de 2240 ton de Combustivel Alternativo preparado com os RIP.

[Queima de aprox. 200 kg RIP será necessária para produzir 1 ton de clinquer originando a emissão de 2050 Nm3 de gases cuja concentração máxima em dioxinas é menor do que de 0,01 ng/Nm3 (valor encontrado nos testes); para a queima"ad hoc" foi usado o valor experimental da tabela 1(38,25 microgramas/kg de resíduos urbanos queimados)]

Nos 1491 pontos referenciados num levantamento recente [2], onde se encontram referenciados a deposição "ad-hoc" de resíduos industriais, a queima em condições precárias continuará a ser praticada, com evidentes danos ambientais, apesar de evitar a volatilização de numerosas substâncias orgânicas nocivas.

CONCLUSÕES

Tal como consta da estratégia da UE, verifica-se que os processos de tratamento controlado por co-incineração são um instrumento poderoso para atingir os objectivos comunitários de diminuir as emissões de dioxinas e furanos. Face aos números encontrados torna-se evidente que o adiamento da solução do problema do tratamento de Resíduos Industriais Perigosos será altamente nocivo para o Ambiente.

CCI - 19.02.2002

Fonte: [1] "Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos em Portugal - Inventário de Emissões Atmosféricas 1990 - 2000", Francisco Ferreira, Rui Dinis, Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, DCEA/FCT/UNL, Dezembro 2001; [2] "Inventário Preliminar de Áreas Potencialmente Contaminadas em Portugal", Eco-Solos - Tratamento de Solos e Resíduos, S.A., Maio 2000 (Projecto Co-financiado pela Comunidade Europeia, Fundo de Coesão, IPE/REGIA)