THE END
[Primeira página do Jornal O REGIONAL de 11/05/2002]
"Morreu o Sr. Director, o Dr. Hipólito"- ainda foi assim,
deste modo, que me transmitiram a notícia do passamento, com 74
anos de idade, do director e fundador, em 1958, da Escola Industrial de
S. João da Madeira. Era assim, com todo o respeito, a roçar
a veneração que os seus antigos alunos tratavam o gentleman
que, aos 30 anos, abraçou devotadamente um projecto que era a menina
dos seus olhos, a nossa Escola Industrial. O funeral foi a 3 de Maio.
Estou a recordar, ainda não havia edifício para a
Escola (viria a funcionar na Casa do Gaiato, actuais instalações
dos Serviços Médico-Sociais) e no verão antecedente
ao ano lectivo 1958/59, ao fundo do corredor da antiga Câmara Municipal,
o Dr. Hipólito, numa mesa, improvisadamente, a tratar das matrículas
dos primeiros cerca de 80 alunos (...)
Para a época, o Dr. Hipólito Duarte Cardoso de Carvalho impôs-se como um grande pedagogo e democrata. Por isso, foi terrível para ele o saneamento político decorrente de violento decreto de pós 25 de Abril. Tremenda e irreparável injustiça. A ingratidão do regime democrático sobre um pedagogo e formador que fazia da democracia a sua bandeira. Por isso, também, um punhado de antigos alunos e colegas choram hoje, redobradamente.
[Pág. 7 de O REGIONAL de 11/05/2002]
(...) Numa época de questionáveis valores humanos
e morais, o Sr. Director Hipólito foi, sem sombra de dúvida,
uma das pessoas que mais me marcaram positivamente, não só
porque tive o privilégio de ser sua aluna, como também porque
pertenci a um grupo de alunos que com ele privaram mais de perto por estarem
associados a um sem número de actividades implementadas pelo Dr.
Hipólito e que esse conjunto de alunos se empenhava por cumprir,
sempre de forma entusiástica.
... foi mencionada a existência do jornal escolar "Ressurgir",
do qual o Director Hipólito Duarte era editor e presença
activa em muitos artigos e algumas entrevistas conduzidas pelas alunas.
Sinto-me feliz por de alguma forma ter colaborado com ele nesse projecto,
tendo escrito alguns artigos e conduzido algumas entrevistas.
... Foram também mencionadas as récitas de finalistas, que
eram o culminar de todo um trabalho preparado ao pormenor por um conjunto
fantástico de professores, sempre sabiamente orientado pela batuta
do grande "Maestro Dr. Hipólito". Provavelmente, poucos se recordarão
dos momentos de poesia, cuja escolha era sempre da responsabilidade do
Dr. Hipólito, e da forma apaixonada como apreciava a obra de Federico
García Lorca, poeta que ele geralmente privilegiava. Falta apenas
acrescentar que, para se conseguir tal objectivo, o Sr. Director Hipólito
orientava um grupo de alunos no sentido de recolher patrocínios
publicitários junto das empresas mais representativas da nossa terra
e dos arredores, de forma a custear as despesas inerentes à preparação
da récita de finalistas e à impressão do livro do
final do curso.
(...)
entendo que falta mencionar aspectos que, na minha opinião
(só minha? ...) revelam a qualidade e a dimensão do ser humano
que era o Dr. Hipólito. Os Natais da nossa Escola!
O carinho e o entusiasmo com que as alunas preparavam, nas aulas
de Trabalhos Manuais, enxovais completos para bebés de famílias
pobres, cujo nascimento se previa acontecesse naquela quadra natalícia.
Quanta ternura e empenhamento das professoras e alunas.
Para além disso, umas semanas antes do Natal, todos os alunos contribuíam, de acordo com as suas possibilidades, com géneros alimentícios, que se iam juntando até se conseguir um autêntico cabaz de Natal, que depois seria ofertado a algumas das famílias de alunos mais carenciadas da nossa Escola. Um autêntico banco alimentar contra a fome!
Só uma pessoa com uma grandeza de alma tão grande podia impulsionar e empenhar-se em todo este tipo de iniciativas. Uma pessoa assim não pode cair no esquecimento e muito menos ser humilhada e desprezada de forma tão indigna. É urgente reparar tal injustiça.
Para além de pedagogo, o Sr. Director Hipólito Duarte foi um ser humano maravilhoso, mas, acima de tudo, um autêntico obreiro e formador de Homens e Mulheres do nosso tempo, muitos deles brilhantes no percurso das suas Vidas.
É urgente e imprescindível que se faça justiça
a um Homem desta envergadura...
Mesmo depois de morto."
Cristina Carvalha
Conforme pedira, foi cremado e as suas cinzas foram lançadas,
pela esposa e filho, nas águas da Ria de Arosa, numa praia de Villagarcia
de Arosa (poucos kms a norte de Pontevedra), local predilecto, desde muito
novo, das suas férias. Dizia ele que era para que todos os
dias de manhã os peixinhos fossem saudá-lo dizendo: "Buenos
dias, Don Hipólito!"
Como vai Portugal e, particularmente esta região, de que S.
João da Madeira é o centro, repescar e manter viva a memória
de tão marcante personalidade na formação de algumas
gerações?"