• Engenharia Civil 
    Projetamos o Futuro

Falecimento do Professor José Mota Freitas

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INSTITUTO CULTURAL D. ANTÓNIO FERREIRA GOMES
2011.10.11

José António Fonseca da Mota Freitas
Ex.mo e Rev.mo Senhor Dom Manuel Clemente
Ex.mo Senhor Prof. Levi Guerra
Ex.mo Senhor Prof. Adriano Moreira
Ex.mo Frei Pedro Fernandes
Meu caro José da Mota Freitas

Minhas Senhoras e meus Senhores
Quando, há cerca de três meses, o Senhor Prof. Levi Guerra me convidou para fazer o elogio do Prof. Mota Freitas nesta cerimónia, aceitei a incumbência sem hesitação. Pensando, depois, por que teria reagido de forma tão rápida, encontrei duas explicações simples: por um lado, conhecemo-nos desde os tempos de estudantes na Faculdade de Engenharia e temos mantido contacto ao longo das nossas vidas; por outro, tratava-se duma “laudatio” – ora, é muito fácil dizer bem do Prof. Mota Freitas (difícil seria uma “vituperatio”…).
Na verdade, estou a falar-vos dum Homem que, ao longo da sua vida, tem demonstrado ser um excelente Professor, um grande Engenheiro e uma Personalidade de excepção!

O ensino foi uma das facetas mais cultivadas da sua vida. Ainda éramos estudantes na Faculdade de Engenharia e já ele era Monitor na Faculdade de Ciências, onde tinha feito os Preparatórios; a par disso, dava explicações de Geometria Descritiva (e, porventura, outras matérias).
Como docente na Faculdade de Engenharia, o Prof. Mota Freitas leccionou, ao longo dos anos mais recuados, um vasto leque de cadeiras do Curso de Engenharia Civil: Materiais de Construção, Mecânica dos Solos, Resistência de Materiais, Teoria das Estruturas, Pontes e Estruturas Especiais, Seminário de Estruturas, etc..
Regeu também a disciplina de Resistência de Materiais para os Cursos de Engenharia Mecânica e Engenharia Electrotécnica. A este propósito, não posso deixar de testemunhar o encomiástico elogio que lhe foi feito, na cerimónia da sua Última Aula na Faculdade de Engenharia, pelo Prof. Vasco Sá, Catedrático Jubilado do Departamento de Engenharia Mecânica, pelo qualificado apoio que lhe deu na remodelação,na altura em curso,desse Departamento.
Nos anos mais recentes, teve a seu cargo as cadeiras de Construções Metálicas e de Estruturas de Aço e Mistas, assim como a orientação de teses no Curso de Mestrado em Estruturas de Engenharia Civil. Colaborou também em diversa acções de formação pós-graduadas, bem como na docência de disciplinas de mestrado em outras Universidades.
Mas, para o Prof. Mota Freitas, ensinar não é só dar aulas. É preciso fazê-lo de determinada maneira. Recorramos às suas próprias palavras, numa entrevista em Setembro de 2009; dizia ele: “Para se ser bom professor, é preciso ser-se um artista. Não basta saber a matéria, é preciso saber dominar a audiência, dizer uma graçola, estar atento aos cansaços”.
Ora, se bem o dizia, melhor o fazia! Para além da sua grande competência científica e técnica, ele sabia – e sabe – prender a assistência com uma exposição animada, entremeada, de vez em quando, com um comentário jocoso ou uma boa anedota. De modo que as suas aulas sempre foram concorridíssimas.
Por outro lado, fornecia aos alunos apontamentos por si elaborados, sobre as diversas matérias leccionadas, frequentemente escritos à mão, com uma caligrafia claríssima, e ilustrados com numerosos e sugestivos desenhos à “mão levantada”. Eu próprio tive oportunidade de ver alguns desses apontamentos, pelo que sou testemunha directa. Ao longo de toda a sua carreira docente na Faculdade, produziu cerca de 4.000 páginas desses apontamentos, alguns dos quais ainda hoje circulam entre os estudantes, como base de aprendizagem.
A par disto, manteve sempre uma total disponibilidade para o atendimento e esclarecimento das dificuldades dos alunos – fornecendo até o seu número de telemóvel para o efeito – e construindo, desse modo, uma excelente relação de convivência entre o professor e os alunos.
Uma outra característica relacionada com a sua formação académica era – e é – a procura incessante de livros e revistas, que o mantivessem actualizado. Mas não o fazia só para a sua própria e volumosa biblioteca: dava a conhecer aos colegas o que julgava ser dos seus interesses. Mesmo a mim, que trabalhava numa área um pouco diferente da dele, de vez em quando telefonava-me, dizendo: “João, encontrei um livro que te deve interessar”.

Para além do ensino, o Eng.º Mota Freitas tem um extenso e notabilíssimo curriculum como profissional de Engenharia.
Pouco tempo após a formatura, iniciou o serviço militar, que o levou em comissão de dois anos a Angola, de 1966 a 1968. Aí foi encarregado do abastecimento de água a um vasto conjunto de Unidades Militares distribuídas pelo território. No final da comissão, já como Tenente de Engenharia, recebeu um louvor do Comando, com a justificação de que a ele (passo a citar) “se deve o grande incremento que teve o difícil problema de abastecimento de água às Unidades da Região Militar de Angola, ao qual se dedicou com interesse, competência técnica, executando com proficiência todos os estudos inerentes (...) [pelo que] a sua acção é digna de exemplo e merecedora de elevado apreço (...)”.
Regressado ao Porto, foi convidado pelos Professores Armando Campos e Matos e Aristides Guedes Coelho para ingressar no Gabinete de Estudos ETEC, de que mais tarde foi também sócio. Nele desempenhou a actividade de projectista – sobretudo na área das estruturas – bem como de consultor e de coordenador de projectos, a par da docência na FEUP.
Entre as inúmeras obras que projectou nestas décadas, podem destacar-se as seguintes:
§    Ponte de Caminho de Ferro da Ferradosa, sobre o rio Douro;
§    Ponte de Caminho de Ferro de Mocate, na Linha do Norte;
§    Reforço da Ponte de Caminho de Ferro sobre o rio Coura, na Linha do Minho;
§    9 Pontes metálicas de caminho-de-ferro, na renovação da linha de Vendas Novas;
§    Reforço e Reabilitação da Ponte Internacional de Valença sobre o rio Minho;
§    Cobertura do auditório do Centro Pastoral Paulo VI, Santuário de Fátima (com capacidade para 2500 pessoas);
§    Projecto de Estruturas e de Consolidação do Convento de S. Bento da Vitória, no Porto;
§    Pavilhões da EXPONOR, em Matosinhos;
§    Estruturas das Fábricas de Papel da Soporcel, na Figueira da Foz;
§    Viadutos rodoviários na zona de Belém sobre a Avenida das Índias e a linha de Caminho de Ferro do Estoril, em Lisboa;
§    Projecto de Estruturas do Pavilhãodo Futuro para EXPO 98, em Lisboa;
§    SILO AUTO da Trindade, no Porto;
§    Estruturas Metálicas do Hotel Sheraton, no Porto;
§    Igreja da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima.
Este projecto das estruturas da Igreja da Santíssima Trindade representa o culminar – até ao momento – da sua brilhantíssima carreira de Engenheiro: pois, com ele, recebeu em Portugal, em 2007, o Prémio Secil de Engenharia Civil; e, em 2009, o prémio internacional Ostra (OutstandingStructureAward), atribuído pela IABSE – InternationalAssociation for Bridge andStructuralEngineering, o qual é considerado o galardão mais importante da Engenharia de Estruturas a nível mundial. E, como ele próprio diz na entrevista atrás referida, invocando a sua fé religiosa: “Sou devoto de Nossa Senhora [de Fátima], por isso, este prémio tem um sabor ainda mais especial”.
Portanto, o Eng.º Mota Freitas, para além de ser um prestigiadíssimo Engenheiro português, é-o com uma projecção internacional que muito poucos Colegas nacionais conseguem alcançar.

Como dei a entender no princípio, eu tive o privilégio de ser colega de Curso do Prof. Mota Freitas. São já quase 50 anos de convivência e Amizade! Sou, pois, testemunha continuada da sua personalidade.
Já nos tempos de estudante ele era o que hoje é: inteligente, trabalhador, bom colega, sempre disponível para ajudar quem dele precisasse. Dinâmico, desportista, foi internacional de atletismo e campeão nacional de andebol. Participativo na vida académica, foi membro do Orfeão Universitário do Porto. Sério nas atitudes e nos compromissos; mas, ao mesmo tempo, bem disposto, brincalhão, duma alegria contagiante.
E, no entanto, o Prof. Mota Freitas tem sido duramente provado na sua vida pessoal.
Foi a morte de dois filhos, na flor da idade, em momentos e circunstâncias diferentes.
Foi um acidente, durante o serviço militar, que veio a reflectir-se gravemente na sua saúde uns anos mais tarde, prendendo-a uma cadeira de rodas.
Até um processo judicial absurdo ele teve que enfrentar, a propósito do desastre da ponte de Entre-os-Rios, quando não tinha tido nenhuma intervenção nos pilares dessa ponte, nem nas respectivas fundações.
E, mais recentemente, a doença prolongada e o falecimento da Maria Teresa, sua Mulher e companheira de sempre, que eu não posso deixar de homenagear também aqui, nesta ocasião, pela sua dedicação, pela sua tenacidade, pelo seu grande Amor!
Tudo istoele tem suportado, com uma enorme coragem. E continua a trabalhar nos seus projectos. E até brinca com a circunstância da cadeira de rodas, dizendo: “Nas cerimónias públicas sou o único, para além do bispo, a poder estar sentado”.

Em resumo: o Prof. Mota Freitas é um excelente pedagogo, que contribuiu marcantemente para a formação de diversas gerações de Engenheiros; ele próprio, como Projectista de Estruturas, é um Engenheiro com prestígio nacional e internacional; eé um Homem de Carácter, que tem enfrentado as agruras da vida com um ânimo, uma determinação, uma força e uma verticalidade a todos os títulos notáveis.
É, por isso, credor do nosso profundo respeito e admiração!

João Lopes Porto
2011.10.11

 

Homenagem ao Prof. Mota Freitas - 14/01/2012 - OE-RN - FEUP

... (dignatários)
Exmos dignatários presentes na mesa,
Prof. Mota Freitas,
Estimados colegas e todos estes seus amigos,
Minhas Senhoras e meus Senhores

Fiquei muito honrado e feliz com esta oportunidade que a Ordem dos Engenheiros (Região Norte) me proporcionou quando solicitou a minha contribuição para esta homenagem. Poderia ficar nesta frase apenas o registo de um lugar-comum, mas tal não é o caso: se esta expressão peca, é por defeito.
Pois que, tendo já sido testemunha grata de diversas manifestações mais ou menos formais de apreço pelo Prof. Mota Freitas (recordo aqui a recente alocução laudatória proferida pelo Prof. João Porto, tão eloquente e brilhante), posso dizer que já há cerca de 4 anos que me senti compelido a fazer a compilação deste texto, apenas pela necessidade de guardar pensamentos e ideias que me vão assaltando e urgem registo, pela sua intensidade. E sempre estaria minimamente preparado para uma oportunidade como esta, que certamente iria aparecer, devido ao grande mérito do aqui laureado Prof. Mota Freitas.
Aceitei portanto esta incumbência com grato prazer, apesar de ter pensado que seria mais oportuno dar esta voz a outro e deixar o meu contributo para os bastidores: a ligação de longa data e de cariz quase familiar (o Prof. Mota Freitas conhece-me desde sempre, coitado!) poderia retirar o significado a este gesto: por exemplo, tenho a certeza que o seu filho Ricardo não gostaria de ser posto neste papel. Mas este tempo de vivências diversas foi tão enriquecedor que me enchi de coragem. Espero portanto conseguir espelhar o que esta grande personalidade nos inspira, se para tanto me ajudar o engenho e a arte (... se faltar, agradeço a vossa paciência e compreensão, perante esta veleidade).

Mas deixemos os prólogos e passemos aos factos:
A vida do Prof. Mota Freitas é um livro riquíssimo, que vou tentar desfolhar sem a pretensão de ser exaustivo, apenas para dar uma ideia das razões que nos trazem à sua volta e que hoje nos reúnem.
Nascido em Chaves em 18 de Abril de 1938, passou a meninice em Angola, indo atrás do seu pai, oficial do exército, passando ainda por Amarante e Vila Real, até se radicar no Porto em 1952, com 14 anos.
Aí terminou o liceu, no D. Manuel II, com 17 valores, tendo depois tentado a Engenharia na Escola Naval, sonho que acalentava de criança. Mas como partira uma perna, numa queda de um cavalo, o seu azar transformou-se na sorte da outra face da engenharia, a Civil, que terminou em 1964 também com 17 valores.
Entretanto, granjeia entre os colegas muitas amizades, tendo ajudado muitos a superar alguns dos espinhos mais agudos do curso. E ainda tinha tempo para o desporto, que praticava de forma intensa e séria: representava o F.C. Porto (e depois o CDUP) em Andebol e em Atletismo, como lançador, tendo sido campeão nacional. Conciliava tudo isto treinando de madrugada, antes da Faculdade, e estudava à noite, pois de dia tinha os afazeres das aulas, dos amigos a quem ajudava, as explicações que dava e ainda o Orfeão Universitário, outro cordão umbilical que nos liga. Não sei como conseguia, mas a verdade é que manteve esse ritmo ainda muito tempo depois, quando trocou o estudo pela docência e as outras actividades pela profissão. Não era, não, homem para dormir na forma! E essa capacidade de trabalho e essa energia, temperadas pelo seu carácter, foram sempre vitais na sua actividade e na sua determinação nas alturas difíceis!
A vida militar chama-o novamente em 65, primeiro para Tancos (onde sofre o acidente que duas décadas mais tarde o viria a limitar fisicamente), e depois novamente para Angola, onde cumpre o Serviço Militar Obrigatório. Dedica-se aí, entre outras tarefas, à instalação das infraestruturas de abastecimento de água a diversos aquartelamentos. Se por vezes as soluções eram fáceis, noutros casos exigiam engenho e imaginação. Por exemplo, recorria por vezes a carneiros hidráulicos para o enchimento de depósitos elevados. Ou noutros casos, encontrava soluções prosaicas, como quando lhe pediram uma solução para o complicado problema do atravessamento da pista de aviação pelo caminho que toda a gente utilizada, o que a estava a tornar a pista impraticável: simplesmente contornou a pista com a sua caravana, o que estabeleceu um novo caminho! Em suma, tudo resolvia, sem nunca ficar mal! E no final da comissão, já como Tenente de Engenharia, recebeu um bem merecido louvor do Comando, pela sua dedicação, competência técnica e proficiência, sendo (cito) "a sua acção digna de exemplo e merecedora de elevado apreço (...)”.
Em Angola, para além do gosto pela vida ao ar livre que já tinha da infância, incluindo a pesca e a caça (claro que conta estorias saborosas com pacaças e nativos), ganhou um gosto pelo intenso condimento picante de que ainda hoje abusa. Talvez por isso raramente se constipe...
Regressado em Outubro de 1968, os olheiros da FEUP e do ETEC conseguem a sua contratação, dando assim início à sua carreira académica e à sua actividade de projectista. Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, percorre diversos departamentos e diversas áreas do saber, como a Geometria, Materiais de Construção, Mecânica dos Solos e, finalmente, todas as áreas da engenharia estrutural: Resistência dos Materiais, Teoria das Estruturas e Construções Metálicas.
Como projectista e como professor, notabiliza-se precisamente na área das estruturas metálicas, conferindo um enorme impulso tanto ao seu estudo como à sua prática.
A sua presença na lista das Comissões Científicas dos congressos da especialidade mais prestigiados é um selo de qualidade sempre muito pretendido! Faz aliás parte dos Grupos de Trabalho relativos ao Eurocódigo 3 e 4 da Comissão Técnica CT115 - Eurocódigos Estruturais.
É desde 65 membro da Ordem dos Engenheiros, com o grau de Conselheiro desde 98 e ESPECIALISTA em ENGENHARIA DE ESTRUTURAS desde 97, tendo sido em 94, na Região Norte, "Coordenador do Colégio de Engenharia Civil" e "Membro da ASSEMBLEIA de REPRESENTANTES".
Resumindo o seu currículo profissional, pude contar-lhe 91 pontes, pontões e viadutos, dos quais 37 metálicos ou mistos. Destacaria as pontes ferroviárias da Ferradosa, diversas pontes na linha de Cascais, nas linhas do Norte, do Oeste e da Beira Baixa como a ponte da Meimoa, os viadutos provisórios de Belém para a Expo 98 e, ainda, a reabilitação da ponte do Coura, obra difícil, de grande interesse técnico e estético.
Entre Edifícios, Instalações Industriais, Silos, Chaminés e Estruturas diversas, contei 152 intervenções, 100 das quais envolvendo estruturas metálicas. Destaco como exemplos: os Edifícios "WILLIAM GRAHAM" e Igreja do Foco, as Fábricas de papel da Soporcel na Figueira e em Setúbal bem como muitas outras instalações fabris e afins, o SILO AUTO da Trindade, as Clarabóias do Gaiashopping, diversas estruturas interessantes de vários shoppings e hipermercados, sendo mais "especial" o de Sta. Maria da Feira, o aligeiramento das estruturas da cobertura do Oceanário, estruturas diversas para grandes Postes de Iluminação e de Transporte de Electricidade, as Estruturas Metálicas do Hotel Sheraton do Porto, as estruturas de suporte dos envidraçados da Casa da Música e as obras em Fátima, que muito preza até como devoto de Nª. Senhora, como a Cobertura da Capelinha das Aparições, do Centro Pastoral Paulo VI e a Igreja da S.S. Trindade.
Fez ainda diversos pareceres e peritagens para diversas entidades públicas e particulares, citando-se por exemplo a análise da Antena de Muge (que tem 256m de altura), o acidente na Ponte do Faial na Madeira ou o colapso da Cobertura da Siderurgia na Maia.
É neste momento oportuno destacar o reconhecimento técnico de que foi objecto, com a atribuição de duas muito significativas distinções, justamente pelo projecto desenvolvido para a Igreja da S.S. Trindade em Fátima.
É que pode parecer desajustada, para quem conheça o Prof. Mota Freitas apenas como profissional pela sua muito merecida reputação como especialista em construções metálicas, a atribuição em 2007 de um Prémio como o Secil de Engenharia Civil, vocacionado para obras de carácter excepcional na área do betão estrutural, prémio que foi confirmado depois em 2009 pelo OSTRA (Outstanding Structure Award - considerado o maior reconhecimento mundial na área das estruturas de edifícios e pontes) atribuído pela IABSE (International Association for Bridge and Structural Engineering), com a mesma obra, que tem os seus aspectos mais marcantes precisamente nas componentes predominantemente em betão estrutural e sua interligação funcional com as estruturas em aço da cobetura.
Sim, estes são prémios bem atribuídos a um Engenheiro de “banda larga”, a quem afinal uma obra como esta Igreja não encaixa nada mal!
Com efeito bastaria uma passagem mesmo que breve pelo seu gabinete para se perceber que a sua sagacidade e interesse de engenheiro se estende efectivamente por muitos outros domínios:
- do betão armado, seu uso em conjunto com o aço, sendo um precursor em Portugal do estudo das estruturas mistas;
- do pré-esforço, tendo desenvolvido já há mais de 30 anos um processo de introdução das acções equivalentes em estruturas de barras que é tão simples e perfeito que ainda hoje usamos, apenas melhorado pelo processamento sistemático que a informática veio facilitar;
- das pontes, onde foi pioneiro nas pontes mistas (com e sem envolvimento no betão), no estudo das pontes de betão armado pré-esforçado em caixão executadas por avanços (aqui, à frente do seu tempo, em Portugal, pelo que não chegou a ver a sua obra concretizada), e na adopção que importou de encontros do tipo “perdido” (prática que de imediato se generalizou)…;
- dos edifícios, em que abordou de forma brilhante e precoce, para a época, a questão da repartição das acções horizontais pelos diversos elementos resistentes e a avaliação das respectivas deformações, estudo que aplicou com sucesso a edifícios do Porto que, à época e durante muitos anos, foram os mais altos;
- das fundações, com a abordagem e sistematização de sistemas menos usuais, como os poços encastrados e outros;
- da preocupação da protecção ao fogo das estruturas, sobretudo as metálicas, muito antes de tal ser "moda" por cá;
- da adopção de estruturas ligeiras construídas a partir de chapa enformada a frio, processo que sofreu muitas resistências até que, vindo de fora, ganhou credibilidade e, pela sua vantagem económica, como antevisto pelo Prof. Mota Freitas, está a ganhar protagonismo crescente;
- do reviver das estruturas de madeira, material que sempre o interessou, conhecendo o lamelado colado muito antes da sua chegada à Expo98, com o Pavilhão Multiusos;
- do aprofundamento das questões relacionadas com a reabilitação, obtendo diversos livros sobre a matéria, sobretudo italianos sobre o tema "Recupero", com interesse particular na recuperação de consolas, como um com o título "I rifatevi il balconi" que mantinha sempre à vista como inspiração;
- da preocupação com as questões ambientais, do ruído e da segurança, por exemplo nos equipamentos rodoviários;
- de formulações matemáticas complexas, em que obteve resultados sistematizados que depois eram de fácil aplicação, como seja o cálculo de escadas helicoidais, a formulação para encaixar uma carruagem de caminho de ferro na transição da recta para a curva circular, uma formulação de fácil implementação (apresentada já em Congresso) do processo de obter linhas de influência de esforços de qualquer natureza em qualquer local de uma estrutura de barras (este processo foi usado com sucesso numa das obras ferroviárias mais difíceis e bem conseguidas da sua fértil carreira, a ponte do Coura), método que a voragem da evolução dos cálculos “pesados” e do tipo “força bruta” deixou um pouco de lado da prática, mas não da ideia…;
- de abordagens de sistematização muito elaboradas de aplicações práticas (e mais uma vez tornadas sistematicamente fáceis) aos jogos da sua preferência (totobola, totoloto, etc.), que pela sua intuição levaram a resultados que hoje se podem verificar estarem em consonância com as mais actuais teorias matemáticas desenvolvidas sobre a matéria (só faltando os respectivos resultados práticos…).

Mas, além de um Engenheiro de grande gabarito, também a sua actividade como Professor merece referência com destaque: É daqueles que não se esquecem, que marcam os alunos para toda da vida! Marcou todos os que com ele tiveram a felicidade de ser iniciados na beleza da Resistência dos Materiais e das Construções Metálicas, pelo brilhantismo das suas exposições e pela maneira cuidada, detalhada, organizada e completa como preparava as suas aulas, tendo elaborado uma colecção vastíssima (centenas ou mesmo milhares de páginas) de soberbos apontamentos produzidos à mão e, apesar disso (ou devido a isso), extremamente legíveis e interessantes, com caligrafia e inúmeros esquemas, desenhos e smiles que todos reconhecemos, e sobretudo pela sua capacidade de chegar aos alunos, pelo seu humor e boa disposição, sempre muito oportuno e por vezes acutilante, com realce para a forma como "acarinhava" especialmente os alunos relacionados com Arquitectos ou que fossem Benfiquistas… Ou então que tivessem qualquer outra dificuldade: quantos alunos seus foram alguma vez apoiados, quantas vezes de forma subtil e discreta, além do que era padrão ou até enquadrável no que era o relacionamento normal entre alunos e professores na época, mesmo considerando o ambiente familiar da FEUP de então.
Citando o próprio Prof. Mota Freitas:
"Ser professor. Um professor bom, em todos os sentidos tem de ser um artista. (...) Não basta saber a matéria, é preciso dominar a audiência. E em aulas de duas horas, os alunos às tantas cansam-se e não estão com atenção. É preciso ser actor, (não actor cómico) no sentido de captar a atenção … explicar as coisas de um modo agradável, estar atento a cansaços... e arranjar uma graçola para quebrar a monotonia.
Depois é o dia-a-dia, eu estou sempre com jovens., e isso anima, alimenta... Gostam de estar comigo, e eu com eles..."

Assim, depois de em 1973 resolver sair para se dedicar só à actividade profissional, os alunos do curso de 1974, já depois do 25 de Abril, foram ao seu escritório e convidaram-no para ir dar aulas com o Professor Joaquim Sarmento. Assim, foi dar aulas de betão armado, fora das horas de serviço... das 6 às 8, a custo zero! Foi um Prof. des­‑saneado! (perdoem o neologismo). E tinha sempre aulas concorridíssimas!
Esta estima era merecida: Posso citar um ex-aluno que, fruto de circunstâncias pontuais, por se encontrar também a trabalhar, ficou por esgotamento muito aquém do resultado que se esperaria. O Prof. protelou a entrega da nota, até que um dia, com o seu R16, o aborda ao pé do marco de correio vermelho, dizendo-lhe como pretexto: "Quando vejo o vermelho, marro sempre!" e aproveita a oportunidade para, com um café, amenizar o assunto.
Fazia muito isso: quando queria chegar até alguém de modo a não lhe ferir susceptibilidades, tinha a delicadeza de encontrar uma manobra de diversão oportuna e depois criava um cenário ameno para a conversa. Connosco, que com ele trabalhámos, promovia muitas ocasiões de tertúlia à volta de um frango de churrasco na Rotunda ou de umas tripas no Capitão Pombeiro ou no Ginjal. E havia sempre o ritual dos intervalos do café. E que estimulantes eram sempre estes momentos!

Estas são apenas as vertentes mais conhecidas da sua personalidade, mas espelham a sua humanidade e carácter elevados, o seu interesse e disponibilidade para os outros, a sua generosidade e permanente e inteligente humor com que tudo polvilha.
Enfim, um grande Professor e Mestre, reconhecimento que a FEUP soube fazer, embora tenha dito mesmo que o fazia tardiamente, ao atribuir por todos estes méritos científicos e pedagógicos e ultrapassando a mera formalidade dos graus académicos, o grau de Professor Catedrático Convidado, com plena justiça!
As grandes qualidades humanas que tem permitem-lhe obter, na sã convivência quotidiana, um grande conhecimento de cada uma das pessoas individualmente; usa­‑o sempre em prol delas, muitas vezes de forma muito directa e franca, sabendo sempre até onde pode ir.
Muitas histórias saborosas haveria para contar, mas não cabe aqui senão uma breve referência a alguns episódios.
Dos seus muitos amigos, alguns eram mais especiais e mereciam-lhe um "carinho" adicional. Um desses era o Prof. Guedes Coelho, com quem gostava de trocar gostosas picardias, e se eram provocações por vezes um pouco impróprias, nele, pela combinação especial da sua inteligência, humor e generosidade, não se podiam levar a mal.
Os mimos eram diversos: desde hastes para coçar as costas, isqueiros engraçados, postais ilustrados com formas exuberantes e especialmente dedicados, até a alguns trejeitos engraçados que fazia com as mãos e que, com o auxílio de uma tira de papel, evitava que descambassem em gestos indecorosos. E fazia-o na exacta medida em que sabia qual o limite até onde podia provocar o oponente, pois o "Prof. Guedes" tem estofo mais do que suficiente para estas provocações.
Com outro querido colega também Miguel, teve que recorrer a explicações mais delicadas para ilustrar o substantivo comum que designa uma barra de ferro de secção quadrangular. E conseguiu ultrapassar os melindres surgidos!
Já comigo, por exemplo, tinha limites muito mais restritos. Mas não perde uma ocasião para me chamar "tinhoso", o que me faz pensar muitas vezes. Mas como sou mesmo teimoso...
Também gostava de contar estórias das suas vivências africanas. Normalmente, acabava sempre por lhes dar um cariz de oportuno ensinamento. De todas, a mim, que só fiz tropa "a brincar", a que me marcou mais e de que muitas vezes me lembro, foi a diferença, em tempo de guerra, entre "Zzzzzz... Bum... Ai!" e "Zzzzzz... Ai... Bum!".

Mantém uma biblioteca muito extensa e sempre actualizada, fruto de muita correspondência com o estrangeiro e também de algumas fontes nacionais, nela investindo muito tempo e dinheiro. Mas deixava-nos perplexos e por vezes até contrariados por não ter nunca indexado o seu espólio. Pudera, não precisava: tinha-o na ponta da língua! Com efeito, se íamos ter com ele por alguma questão técnica, fazia questão de nos mostrar a ponta do rabo do peixe, mas depois mandava-nos pescar. E dizia: vais àquele armário, na 3ª prateleira, um livro de capa castanha dura, praí desta espessura (que indicava com a mão)... mais para lá, isso, agora abres na página 57, e vê lá o que diz. E por volta dessa página, lá se encontrava uma pista para a resolução da nossa questão. E nós, aspirantes a engenheiros a sério, lá íamos com o rabo entre as pernas e com mais uma lição para estudar.
Na correspondência com o estrangeiro surgiam por vezes algumas situações engraçadas, normalmente por deficiente rotulagem de quem, de fora, e mau grado a letra regular com que o Prof. Mota Freitas tinha o cuidado de escrever, não acertava no nome. De todas, ficou-me na memória, de Itália, o Ig. Mola Frei. Podia ser pior...
É para nós, que lidámos com ele algum tempo (ou, pondo ao contrário, a quem ele teve que aturar algum tempo!), sempre grato perceber que não é, apenas, só uma pessoa conhecida no meio técnico, como é sempre referido em geral com muito apreço. Lembro­‑me, a título de exemplo, de quando tive o prazer de conhecer pessoalmente o Eng. José Menéres, um dos decanos da família que gere a sociedade com o mesmo nome: é um contador de histórias notável, com uma memória rica e fresca. A propósito de um trabalho que nos pediram, começou a desfiar a história do Gabinete dos Prof.s Campos e Matos e Guedes Coelho, desde os seus primórdios, que o antecederam muito. E, referindo-se-lhe, diz­‑nos: "a certa altura, entrou para lá um rapaz novo, muito jeitoso, que tinha sempre solução para os problemas todos!". Não pudemos deixar de sorrir com gosto!
É um grande apreciador de boa música e tem uma predilecção especial por ópera. Deve ser provavelmente por isso que, sempre que está a ajudar alguém que se meteu numa alhada (e ajudou tanta gente, como profissional ou amigo), a sua primeira exclamação é "Oh, Alfredo!" (nota: de personagem e ária La Traviata). Ajudava muitas pessoas de muitas formas e, de preferência, discretamente, valorizando uma imensa confiança interpessoal. Por exemplo, mantinha um envelope numa gaveta da sua secretária onde o Cauteleiro, mesmo na sua ausência, ia levar as cautelas do costume com as apostas do costume e fazia as contas às despesas e aos prémios, mantendo sempre aí um certo pecúlio. E nunca foi defraudado (que eu saiba). O mesmo fazia com os seus apontamentos de Resistência e de Construções Metálicas, que tinha ao cuidado da telefonista da Faculdade nos Bragas.
Tal é a sua consideração pelas pessoas que tinha um cuidado especial com o modo de tratar os mais desfavorecidos, com quem muitas vezes se cruzava às horas tardias a que saía do escritório, sendo sempre capaz de uma palavra amável e de apreço mesmo com aqueles que muitos de nós dificilmente conseguem encarar.
E sempre soube pôr os outros à frente dos seus interesses imediatos. Muitas vezes lhe ouvi a expressão "...que se lixe a taça", quando ao ser confrontado com uma oportunidade de ajudar alguém acabava por prejudicar a prossecução dos seus próprios objectivos. Não tenho a memória do Prof. Sarmento, mas sei que esta frase não é retórica, foi mesmo o caso concreto de uma situação desportiva em que a fraternidade valeu mais do que a competitividade!

Esta atitude de grande verticalidade teve um grande expoente no decurso do processo de Entre-os-Rios. Foi um acontecimento trágico que trouxe muito sofrimento e que o Prof. Mota Freitas muito lamentou. Mas sobretudo, vendo-se envolvido, foi sempre um exemplo de correcção e verticalidade. Tão grande foi a verticalidade e a vontade em ser prestável que o Procurador-Adjunto, cujo nome não posso dizer porque causa ao Prof. cãibras nas mãos (o seu filho Ricardo confirma esta situação do foro “clínico”), sentiu que estava a ser iludido, optando como se sabe por perseguir a parte que se apresentava menos preparada na sua defesa e aparentemente mais apta a arcar com eventuais responsabilidades, mesmo que de forma forçada.
Devo aqui referir, por ter assistido e me ter sentido orgulhoso do trabalho que os bons profissionais deste país sabem fazer e fazem, a grande qualidade e profundidade do trabalho desenvolvido pelo colégio de 3 juízas que culminou com o acórdão de Outubro 2006. Foi digno de quem o elaborou e também da figura do Prof. Mota Freitas, não só pelo seu carácter e extensão (quase parecia a sebenta do Prof.) como também pela consistência e seriedade deste trabalho que, no âmbito específico para o qual tinha sido solicitado, tão bem foi desenvolvido, apresentado e defendido.

O Prof. Mota Freitas tem um gosto e um jeito para crianças muito especiais, fruto talvez do seu bom humor e da sua enorme paciência e generosidade. Assim, para além dos cigarros e isqueiros para os mais crescidos, tinha sempre também numa gaveta uma reserva de chicletes e caramelos, carrinhos de brincar e lápis de cor, para entreter as crianças que por vezes lhe apareciam a reboque do dia-a-dia ou dos problemas dos pais. Certa vez, num almoço de amigos, um conjunto de jovens insistia em vender-lhe, a copo, o conteúdo da garrafeira do dono da casa, no que ele ia consentindo, alimentando a brincadeira com humor e tirando partido da sua situação... até serem descobertos! Entretanto, para os pais, e enquanto durou, foi um sossego...
Gostava de ir para o hotel do Luso, onde a piscina interior lhe dava maior comodidade. Na água, não perdia uma oportunidade de brincar com as crianças, assustando-as com um esguicho que conseguia produzir à superfície, espremendo a água com a mão, num gesto que parecia mesmo inofensivo. Eu já fiz alguns progressos, mas nunca o conseguirei fazer como ele!

O Prof. Manuel de Matos Fernandes disse em tempos, num testemunho de grande reconhecimento, que o Prof. Mota Freitas representava pelo conjunto de qualidades elevadíssimas, tudo o que de importante e positivo tem o espírito que emana na FEUP, a sua alma. Sem deixar de concordar, pois esta instituição é por algum motivo um bom alfobre de bons engenheiros, diria que qualquer entidade que tivesse a sorte de ter nas suas fileiras alguém assim não deixaria de sentir e de expressar o mesmo, nele se revendo inteiramente. Foi o caso do seu Gabinete, onde mesmo que por vezes ausente, deixou em quem com ele trabalhou uma marca indelével não só na ânsia do perfeito domínio técnico das questões como no bom desenvolvimento das soluções, tudo temperado com a disponibilidade e envolvimento pessoal que sempre transmitia a todas as pessoas, mesmo que com prejuízo dos aspectos mais prosaicos inerentes à prestação profissional. E, claro, tudo polvilhado ainda com aquele humor tão característico.
Deus saberá por vezes com que esforço e custo, pois sabe também da dose de sofrimento com que testa os Seus mais valentes soldados. Não nos podia pois ter dado melhor farol para nos guiarmos, sobretudo nos momentos difíceis.
Seria talvez adequado elevar a expressão do nosso profundo reconhecimento dos méritos deste (que o merece seja escrito com maiúscula) Homem, com um forte aplauso:

Bem haja, Prof. Mota Freitas!

Miguel Guimarães
2012.01.14

Data: 
14/01/2017