Início  António Sérgio
 
Cooperativismo Pedagogia Literatura Filosofia História
Filosofia >>        

 

Filosofia

Que poderemos saber sobre as facetas da sua cultura e da sua formação intelectual?

A minha cultura não é primacialmente literária, mas sobretudo científica, filosófica, sociológica e pedagógica. Das literaturas estrangeiras, só contactei deveras com a da Grécia antiga, com a clássica francesa, com o teatro espanhol do Seiscentos, com os poetas europeus do séc. XIX; poucos foram os romances com que recreei o espírito.

Os escritores que mais influíram na minha formação intelectual foram filósofos: um Platão, um Descartes, um Espinosa, um Kant. ... Mas, desde o tempo de instrução secundária - que cursei no Colégio Militar, - o que me revelou a mim próprio foram os compêndios de Matemática. Ao mesmo tempo que os poetas. Matemática, poesia e música pareceram-me sempre disciplinas irmãs. As impressões que me causaram certos aspectos da Matemática criaram em mim uma atitude: a de não confiar na intuição sensível e a de não confundir o inteligível com o imaginável, com o representável. Quando li filósofos e conheci Platão, já a matemática fizera de mim uma espécie de candidato ao platonismo, uma espécie de platoniano desconhecedor de Platão.

A teoria das "Ideias" não oferecia dificuldades desde que interpretássemos "Ideia" como «lei científica", "equação", etc. Se no tempo de Platão, existisse já a geometria analítica, ter-se-ia ele explicado com muito maior clareza; e não só a geometria analítica mas também a física moderna, que me parece essencialmente platoniana.

Pelo que respeita aos escritores portugueses, talvez tivesse havido influência de dois: o Antero dos opúsculos sociais e o Oliveira Martins, economista - o que escreveu a Inglaterra de Hoje, a Circulação Fiduciária, o Projecto de Fomento Rural, etc. Talvez eles, em parte, me houvessem levado a ver os problemas pelo prisma económico-social, e não predominantemente pelo das instituições meramente políticas.

A desconformidade em que me vi com o modo de pensar jacobino procedia da natureza do meu ser mental e também das sugestões dos dois escritores portugueses que no período da adolescência me seduziram mais: Herculano e Antero. Foi este, sobretudo, que me iniciou na política; e o revolucionismo idealista dos seus escritos sociais (O Que É a Internacional; Carta à Comissão Eleitoral do Partido Socialista: Portugal perante a Revolução de Espanha, etc., etc.) lançou-me logo na via em que me tenho mantido até hoje, havendo-me cingido, no decorrer do tempo, a concretizar as tendências que no grande poeta encontrei. Além disso, o socialismo democrático em que me fui radicando (mais precisamente: o cooperativista) parecia-me enquadrar-se com perfeita lógica na filosofia da consciência e do pensar reflexivo, no humanismo interiorista que para mim próprio esboçara, inspirado em Kant e em Platão.

Diálogo com António Sérgio
A.Campos Matos


anterior   seguinte
Última actualização: Outubro 2002