Ex.mo Senhor
Dr. G. KREMLIS,
Director de Unidade,
Direcção Geral Ambiente,
Direcção D- ENV.D.2- Aplicação do Direito Comunitário,
Rue de la Loi,
B-1049 Bruxelles/Wetstraat 200,
B-1049 Brussel
Bélgica

Acuso a recepção da carta de V.ª Ex.ª de 13 de Junho de 2002 (D(02) 522890) em resposta à nossa carta de 14 de Maio 2002, que muito agradeço. A Comissão Científica Independente (criada pelo DL nº 120/99) examinou o teor da sua carta em reunião de 28 de Junho. No espírito do Decreto-Lei nº 120/99 ainda em vigor, que lhe "confere competências para tomar as medidas cautelares previstas na legislação vigente, assumindo assim inequivocamente poderes de autoridade administrativa independente", e em resposta à questão colocada por V.ª Ex.ª, a CCI deliberou considerar como queixa a carta anteriormente apresentada.

Portugal dispõe de duas unidades para o tratamento físico-químico de resíduos industriais perigosos (RIP) e de unidades para reciclagem e regeneração de solventes e óleos usados. Contudo, não dispõe de meios genéricos para o tratamento de RIP por destruição térmica via incineradoras dedicadas ou por co-incineração. Este tem sido um processo de implantação sujeito a vicissitudes de vária índole que parecia aproximar-se do seu bom termo com a realização dos testes de queima em unidades cimenteiras.

Porém, o actual Governo pretende suspender este processo e, como decorre do teor do Despacho nº 12 509/2002 do Senhor Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, o Governo não dispõe de uma política que "garanta que os RIP sejam aproveitados ou eliminados sem por em perigo a saúde pública e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente ...". Com efeito o despacho citado determina: "a) A suspensão de todo o processo que visa a realização de ensaios de queima de resíduos industriais perigosos em fornos de cimenteiras; b) Encarregar o Secretário de Estado do Ambiente de, com urgência, proceder ao estudo das medidas de natureza técnica, administrativa ou normativa destinadas a enquadrar as novas opções de política neste domínio constantes do Programa do XV Governo Constitucional, com especial prioridade para a cessação de funções - que neste quadro se tornaram inúteis - da Comissão Científica Independente para o Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração". Aliás isto mesmo foi reconhecido em 25/06/2002 pelo Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, num processo apresentado por várias entidades, em que se pretendia a anulação do despacho que autorizava a realização do testes que vieram a ser realizados no Outão. O Tribunal declarou suspensa a instância "até que seja publicado novo quadro normativo da gestão e tratamento de resíduos tóxicos industriais", reconhecendo assim a actual inexistência dum quadro normativo para este problema.

Apesar do conjunto de informações disponíveis sugerir um quantitativo impreciso para a produção portuguesa de RIP, existe uma forte correlação linear (r=0,97) entre o Produto Interno Bruto (PIB) dos países da União Europeia e a quantidade de resíduos perigosos por eles produzidos. Por substituição na equação da regressão linear simples obtida, ao nosso PIB corresponderia uma quantidade anual de resíduos perigosos de cerca de 300.000 toneladas. Este valor, com o próprio intervalo de confiança que lhe está associado (±50.000 ton), poderá ser um referencial aceitável. As estimativas apresentadas pelo Instituto dos Resíduos (Pesgri 2001) com base em declarações das empresas apontam para valores inferiores, cerca de 150.000 ton. Não obstante, há que reconhecer que na actual conjuntura ambiental para tratamento de RIP, as indústrias só cumprem a legislação se exportarem os seus resíduos de matéria orgânica, o que promove dificuldades acrescidas na validade das estimativas realizadas. Será admissível que cerca de 30.000 a 80.000 ton/ano RIP deveriam ser valorizadas energeticamente e/ou eliminados e que na prática uma certa fracção de tais resíduos acaba por ser "abandonada ou eliminada de forma não-controlada" com riscos para a saúde pública e para o ambiente.

Um estudo realizado em Maio de 2000 pela Eco-Solos, co-financiado pela Comunidade Europeia, Fundo de Coesão, IPE/REGIA, permitiu identificar a localização dos principais pontos de acumulação de resíduos industriais. Encontraram-se cerca de 22.000 sítios predominantemente industriais potencialmente contaminados em Portugal. Uma primeira prioridade foi atribuída a um conjunto de sítios industriais envolvendo sectores como a refinação de petróleo, fabricação de produtos químicos de base, siderurgia e revestimentos de metais entre outros e para os quais se encontraram 1491 sítios. A maioria destes locais não se encontra licenciada e só recentemente se fez a sua identificação. Apenas para 12 locais preliminarmente analisados, os cálculos preliminares efectuados evidenciaram custos de remediação na ordem dos 100 milhões de euros.

Sobre a situação decorrente da queima não-controlada de resíduos permitimo-nos chamar a atenção de V.ª Ex.ª sobre o teor de dioxinas/furanos no ar da cidade do Porto (500 fg TEQ/m3) em notícia vinda a lume no "Diário de Notícias de 5/06/02 e no "Público" em 13/06/02, fruto dos estudos levados a cabo pela empresa LIPOR-II (central incineradora de resíduos sólidos urbanos). Igualmente, estudos promovidos pela própria CCI sobre o teor de dioxinas/furanos em alimentos permitem prever que uma certa fracção da população portuguesa, mormente a que faz um consumo elevado de gorduras na sua alimentação, estará a exceder o limite da dose diária tolerada de 4 pg TEQ/kg peso.

Não obstante, conforme o teor da carta recebida, ser da competência dos Governos dos Estados-Membros a escolha dos processos de tratamento de RIP (reutilização, reciclagem ou valorização energética), a ausência de alguns procedimentos de fim de linha para RIP não susceptíveis de serem tratados pelos processos de tratamento de mais alta prioridade, bem como para lidar com o elevado passivo acumulado em diversos locais no país, é, em nosso entender, lesiva da Saúde Pública e do Ambiente e não cumpre o artigo 4º da Directiva 75/442/CEE, modificada pela Directiva 91/156/CEE.

Apresento a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos

Aveiro, 2 de Julho de 2002

O Presidente
Sebastião José Formosinho Sanches Simões