Co-incineração em Cimenteiras

 

Nota: Para mais informações aconselha-se uma leitura cuidada ao Cap. 4 do 1º relatório da CCI, Parecer Relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos, sendo dado como adquirido que o relatório é um todo.

 

Funcionamento de uma Cimenteira; Breve descrição do processo

O cimento é um material existente na forma de um pó fino, com dimensões médias da ordem dos 50 µm, que resulta da mistura de clinquer com outras substâncias, tais como o gesso, ou escórias siliciosas, em quantidades que dependem do tipo de aplicação e das características procuradas para o cimento. O cimento normal é formado por aproximadamente 96% de clinquer e 4% de gesso. O clinquer, o principal constituinte do cimento, é produzido por transformação térmica a elevada temperatura em fornos apropriados, de uma mistura de material rochoso contendo aproximadamente 80% de carbonato de cálcio (CaCO3), 15% de dióxido de silício (SiO2), 3% de óxido de alumínio (Al2O3) e quantidades menores de outros constituintes, como o ferro, o enxofre, etc. Estes materiais são normalmente escavados em pedreiras de calcário, ou margas, localizadas nas proximidades dos fornos de produção do clinquer.

A matéria prima é misturada e moída finamente, e submetida a um processo de aquecimento que leva à produção final do clinquer.

 

Adaptado de J.P. Degré

 

Entre temperaturas de 500-900 ºC procede-se à descarbonatação do material calcário, que consiste na calcinação, com produção de oxido de cálcio (OCa) e libertação de CO2 gasoso. A temperaturas entre os 850 e os 1250 ºC dá-se a sinterização, reacção entre o óxido de cálcio e as substâncias silico-aluminosas, com a formação do produto final o clinquer, constituído por silicatos di-cálcicos (2CaO.SiO2), aluminatos tri-cálcicos (3CaO.Al2O3) e ferro-aluminatos tetra cálcicos (4CaO.Al2O3.Fe2O3).

A temperatura na zona perto da saída do clinquer pode atingir os 2000 ºC, na chama do queimador.

Existem dois tipos principais de instalações de produção de clinquer: por via húmida e por via seca. Nas unidades de via húmida a matéria prima é moída juntamente com água sendo fornecida ao forno na forma de lama ou pasta. Os fornos de via seca não usam água para moer a matéria prima e esta é fornecida ao forno na forma de um pó fino, a farinha.

Tendo em conta que em Portugal todas as cimenteiras funcionam com fornos por via seca iremos referir-nos somente a este tipo de instalações.

Nos sistemas por via seca a matéria prima, proveniente normalmente de pedreiras locais, é primeiro moída grosseiramente e misturada com outros materiais trazidos do exterior, como areia, minério de ferro, argila, alumina, cinzas de Centrais Térmicas, etc., de modo a obter uma composição optimizada para a produção de clinquer. A matéria prima é em seguida moída finamente em moinhos de cru de vários tipos. Em muitos processos os próprios gases de combustão servem para separar e arrastar o material já moído, a farinha, conduzindo-o para sistemas de separação e despoeiramento, sendo os gases expelidos para o exterior, pela chaminé, e a matéria prima conduzida ao forno para tratamento térmico.

Figura 1- Descrição de uma linha típica de produção de cimento pelo processo seco com pré-aquecedor e pré-calcinador

 

O clinquer arrefecido é armazenado em depósitos de grandes dimensões e posteriormente moído em moinhos onde se juntam os aditivos, como o gesso e outros.

A energia necessária à secagem, calcinação e sinterização do clinquer é obtida pela queima de uma variedade de combustíveis, dos quais os mais comuns no presente em Portugal são o carvão mineral e o coque de petróleo (pet-coque). Outros combustíveis também usados na Europa são o fuel, o gás natural e combustíveis alternativos como pneus usados, papel velho, resíduos de madeira etc. Uma fracção importante da energia térmica libertada na combustão é utilizada para a descarbonatação do calcário, que é uma reacção endotérmica. Assim uma tonelada de clinquer necessita de um mínimo de 1700-1800 MJ.

No forno rotativo principal existem assim pelo menos duas zonas, uma inicial de calcinação e outra final de sinterização. Os gases resultantes da combustão têm nestes fornos tempos de residência de 4-6 segundos a temperaturas acima dos 1200 ºC, saindo pela chaminé com valores da ordem dos 150-250 ºC.

Para evitar fugas de material e produtos de combustão ao longo do sistema, toda a linha funciona em subpressão, sendo o movimento dos fluidos gasosos efectuado pelo vácuo gerado por ventiladores colocados na parte inicial da linha, imediatamente antes da chaminé.

 

Co-incineração em cimenteiras

Os fornos de cimento reúnem algumas características que os recomendam como possíveis instalações para a eliminação de resíduos perigosos, principalmente se esses resíduos forem combustíveis e puderem ser destruídos por reacção com o oxigénio atmosférico. Dado o seu carácter perigoso a queima destes resíduos tem de ser efectuada de modo que a sua remoção e destruição (DRE- Destruction and Removal Efficiency) seja elevada. Usualmente as Normas para o tratamento térmico de resíduos perigosos impõem DRE melhores que 99,99% (ou 99,9999% para dioxinas/furanos).

Os gases no forno de clinquer atingem temperaturas máximas de 2000 ºC no queimador principal e permanecem a temperaturas acima dos 1200 ºC por períodos de 4-6 segundos. Por sua vez o clinquer sai do forno a temperaturas a ordem dos 1450 ºC. Estas temperaturas são das mais elevadas encontradas em qualquer processo industrial e o tempo de residência dos gases a alta temperatura é também bastante superior ao conseguido noutros processos de combustão alternativos, como a incineração dedicada. Assim um forno de clinquer é um local com condições óptimas para uma queima ou destruição eficaz de qualquer resíduo orgânico que se possa oxidar/decompor com a temperatura.

Devido à quantidade elevada de matéria prima existente no interior do forno este tem uma inércia térmica superior ao de muitas outras instalações industriais a alta temperatura. Nos fornos de cimento as variações de temperatura são lentas e mais facilmente controláveis. Esta característica é vantajosa quando se queimam substâncias com composição e poder calorífico variável como são os resíduos industriais.

É necessário tomar algumas precauções em relação ao modo como o material é adicionado ao forno. O local de injecção mais apropriado é o queimador principal junto à saída do clinquer, porque nestas condições a temperatura e o tempo de residência são maximizados. Substâncias líquidas ou sólidos triturados são normalmente queimados neste ponto do forno.

Os resíduos têm de chegar à unidade fabril com uma composição conhecida e com uma uniformidade em composição e granulometria especificada. Por conseguinte, às modificações efectuadas no interior da unidade fabril, deve ser acrescentada a necessidade de instalações, normalmente externas, de recepção, filtragem, análise e acondicionamento do resíduo.

Resumindo, a co-incineração em cimenteiras apresenta as seguintes vantagens:

Altas temperaturas e longos tempos de residência: mais de 5" > 1800 °C

Elevado índice de destruição: Orgânicos totalmente destruídos; Metais incorporados e fixados no produto final

Processo com auto-lavagem de gases: A cal representa > 60% em massa

Dupla valorização de produtos orgânicos e minerais

Alta eficiência e Recuperação: total 1 MJ resíduo = 1 Mj fuel tradicional

Redução das emissões globais: CO2 global é reduzido