Despacho Nº 12 509/2002 (IIª série)

 

Constitui linha de actuação política do XV Governo Constitucional, e responsabilidade assumida pelo Ministério das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente, abandonar, em matéria de gestão de resíduos, a visão tradicional segundo a qual a protecção do ambiente através da redução da quantidade e perigosidade dos resíduos, após a sua produção, deve assentar preferentemente no chamado "tratamento de fim de linha".

Como em nenhum outro domínio, a gestão dos resíduos, e em particular a gestão dos resíduos perigosos, obriga à definição de uma hierarquia de preferência quanto aos destinos possíveis para cada tipo, tendo sempre em consideração que as soluções a adoptar não deverão colidir ou deverão considerar os direitos à protecção da saúde (máxime, da saúde pública), bem como a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, direitos proclamados, respectivamente, no artigo 64º e artigo 66º da Constituição, com a força, valor jurídico e nível de protecção consagrados para os direitos fundamentais.

A hierarquia de preferência definida na estratégia de gestão dos resíduos industriais e confirmada no PESGRI (Plano Estratégico dos Resíduos Industriais), parte da constatação de que, nas situações em que não é possível evitar a produção de um resíduo, a alternativa deverá ser a sua valorização.

A valorização - sem prejuízo das estratégias de prevenção destinadas a evitar ou reduzir na fonte a nocividade dos resíduos - deve realizar-se por duas vias: através da reintrodução do resíduo num ciclo produtivo destinado a permitir a sua reutilização, isto é, a sua reciclagem, ou pelo uso de resíduos como meio de produção de energia, isto é, pela sua valorização energética.

As decisões tomadas pelos anteriores governos neste domínio não consideraram, ou não consideraram plenamente, estas vertentes que, aliás, decorrem do acervo comunitário, da estratégia de gestão dos resíduos industriais (aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros Nº 98/1997) e das orientações constantes do PESGRI.

Atendendo ao que antecede e, considerando que não é rigoroso o conhecimento das quantidades de resíduos industriais perigosos produzidos em Portugal, nem tão-pouco dos seus fluxos, desde logo porque o número de empresas que apresentaram mapas de registo ao abrigo da Portaria Nº 792/1998, de 22 de Setembro, é insuficiente para caracterizar a totalidade dos universos das entidades produtoras (esse número representa somente 9% do conjunto das empresas estatisticamente referenciadas);

Considerando que uma tal situação de falta de rigor na inventariação descredibiliza qualquer decisão sobre a adequabilidade da solução final de valorização energética e de um concreto método que concretize esta solução;

Considerando que a revisão do Catálogo Europeu de Resíduos veio ampliar consideravelmente o universo dos resíduos perigosos, sendo certo que a alguns deles se não pode aplicar a opção de tratamento térmico;

Considerando ainda que a despeito da imagem criada pelo anterior governo, de que se prosseguiu uma política integrada de tratamento e gestão de resíduos industriais perigosos, a verdade é que nem sequer está estudada a instalação de aterro ou aterros destinados a resíduos industriais perigosos para dar destino àqueles que não podem ser sujeitos a processo de reutilização ou valorização;

Considerando que o Programa do XV Governo Constitucional estabeleceu como estratégia abandonar a co-inceneração fundamentada nos riscos não desprezíveis para o ambiente e para a saúde pública e no não esgotamento de outras soluções ecologicamente mais adequadas;

Considerando também que o avanço para a solução de valorização energética assente na co-inceneração em cimenteiras, antes de um levantamento rigoroso da quantidade e tipo de resíduos perigosos, constitui um estímulo negativo à adopção de outros métodos de eliminação designadamente pela via de reutilização de alguns desses resíduos;

Considerando que, neste quadro, legitimado pela confiança manifestada pela Assembleia da República no Governo após a discussão do seu Programa, se torna urgente proceder à revisão de todo o enquadramento técnico, normativo e administrativo da opção pelo método de valorização energética de resíduos industriais perigosos em fornos de cimenteiras;

Considerando por fim que, nos termos do artigo 199º, alínea g), da Constituição da República Portuguesa, no exercício da sua competência administrativa ao Governo incumbe praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico e social e à satisfação das necessidades colectivas, determino:

a) A suspensão de todo o processo que visa a realização de ensaios de queima de resíduos industriais perigosos nas unidades cimenteiras;

b) Encarregar o Secretário de Estado do Ambiente de, com urgência, proceder ao estudo das medidas de natureza técnica, administrativa ou normativa destinadas a enquadrar as novas opções de política neste domínio constantes do Programa do XV Governo Constitucional, com especial prioridade para a cessação de funções - que neste quadro se tornaram inúteis - da Comissão Científica Independente para o Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Inceneração, criada pelo Decreto-Lei Nº 120/1999, de 16 de Abril;

c) Incumbir ainda o Secretário de Estado do Ambiente de, tendo em vista os poderes constitucionais dos órgãos que hajam de ser envolvidos neste processo, mas também com a audição e participação de todos os parceiros e organizações que nele devam participar, promover as iniciativas que levem à concretização dos objectivos de política acima enunciados, incluindo a preparação de um novo quadro normativo da gestão e tratamento de resíduos industriais perigosos.

19 de Abril de 2002 - O Ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e Ambiente, Isaltino Afonso de Morais.