Enquadramento

Utilização de Sistemas de Armazenamento de Energia para Melhoria das Condições de Estabilidade de Redes Isoladas


 Por André Silva, Porto, Março de 2015.

 A penetração da energia renovável tem vindo a aumentar em todo o mundo, sobretudo devido a fatores de índole ambiental e económica. Por um lado, a produção de energia elétrica em centrais térmicas convencionais utiliza como fonte de energia primária combustíveis fósseis tais como o carvão, derivados do petróleo e o gás natural, que são poluentes, contribuem para as alterações climáticas e existem em quantidade limitada. Por outro lado, estes recursos energéticos possuem uma distribuição terrestre pouco uniforme, levando à dependência energética externa dos países que são pobres nestes recursos [1]. Estes recursos encontram-se particularmente expostos a questões do âmbito da geopolítica e mesmos sendo transacionados em mercados organizados, apresentam preços significativamente voláteis. A conjugação destes fatores provoca pressão nas sociedades, levando a que as mesmas procurem alternativas sustentáveis à sua utilização.

 Na Europa do século XXI, a integração de fontes renováveis na produção de energia elétrica tem sido significativamente promovida, facto que se quantifica sobretudo, no aumento verificado da presença da produção de energia elétrica por recurso à energia eólica e solar fotovoltaica no mix energético dos países da União Europeia (UE). Este processo encontra-se intensamente ligado à adoção do quadro das metas europeias «20-20-20», o qual visa a implementação de um modelo energético que define objetivos ambiciosos para 2020: a redução das emissões de gases com efeito de estufa em 20% relativamente aos níveis de 1990, o estabelecimento de uma quota de 20% de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto e, ainda, um aumento da eficiência energética em 20% [2].

 Em sistemas elétricos isolados como é o caso de ilhas, esta integração é significativamente interessante, pois permite atender ao problema do custo elevado de produção de energia elétrica, geralmente efetuada por recurso a grupos diesel. A utilização do diesel (ou outros combustíveis fósseis) como fonte de energia primária gera custos adicionais associados ao transporte de combustível para estas regiões remotas [3].

 Desde o início da era da eletrificação, os sistemas elétricos das ilhas e as suas infraestruturas de controlo foram crescendo por forma a integrar um aglomerado eletroprodutor composto quase exclusivamente pela exploração da produção térmica convencional e alguns aproveitamentos hidroelétricos. Assim, o desmantelamento do parque produtivo convencional em detrimento da instalação de capacidade renovável coloca novos desafios no que respeita à operação destes sistemas. Vários projetos têm surgido com o objetivo de desenvolver cenários integrados para
ilhas, assentes no aumento da integração de fontes renováveis e na reformulação da infraestrutura de controlo.

 No seio desta perspetiva de integração surge o conceito de “Ilhas Verdes” (ou “Green Islands”), o qual se refere à criação de um futuro verde e economicamente sustentável para as ilhas. Exemplos de projetos criados neste âmbito são o projeto Green Islands (http://www.green-islands-azores.uac.pt), o projeto SiNGULAR (http://www.singular-fp7.eu) e o projeto de iniciativa privada tais como os da empresa Younicos (http://www.younicos.com), que estudam cenários integrados para diversas ilhas europeias entre as quais algumas ilhas portuguesas tais como a ilha de São Miguel e Graciosa do arquipélago dos Açores. O objetivo será aumentar a integração de fontes renováveis em ilhas onde o potencial de extração da energia do vento e do sol é elevado, desenvolvendo simultaneamente estratégias inteligentes de gestão de energia e de melhoria da estabilidade de operação, associadas a conceitos tais como o de cargas controláveis, dos sistemas de armazenamento de energia e da avaliação de segurança dinâmica de operação.

 As redes de pequena/média dimensão são redes fracas caracterizadas por baixa resposta inercial em função da dimensão e do número reduzido de máquinas rotativas instaladas, comparativamente com aquelas disponíveis nos grandes sistemas interligados. A natureza variável da potência produzida com base em fontes renováveis compromete também a flexibilidade de operação das redes isoladas, tornando-as particularmente suscetíveis a problemas de estabilidade da frequência do sistema e flutuações de tensão que representam um risco para a continuidade e a qualidade de serviço [4]. Além disso, é ainda necessário garantir níveis de reserva adequados por forma a acomodar esta variabilidade assente em incerteza, o que interfere com o problema de “unit commitment” dos grupos térmicos convencionais. Este facto aliado à necessidade de resposta inercial adequada, leva a que nas redes elétricas isoladas um número reduzido de grupos térmicos seja obrigado a funcionar permanentemente, sendo redespachado em função de previsões da capacidade de produção renovável disponível [5]. Para além de constituir um desafio técnico adicional, este problema interfere com o retorno de investimento dos proprietários de aproveitamentos renováveis e origina custos adicionais associados ao uso de combustível e redução de períodos de manutenção de grupos térmicos convencionais.

 No sentido de mitigar os riscos acima referidos, devem ser adotadas estratégias de controlo de ação rápida que permitam controlar a frequência do sistema, aquando da ocorrência de perturbações que afetem o comportamento dinâmico dos sistemas isolados, sejam elas provocadas pela súbita perda de unidades de geração, pelo aumento da carga, ou ainda em resultado da variabilidade da potência produzida por recurso a fontes renováveis.

 Para tal, várias soluções são atualmente consideradas: (1) implementação de dispositivos de armazenamento de energia, (2) desenvolvimento de mecanismos de estabelecimento de reserva em aproveitamentos renováveis, (3) veículos elétricos e cargas controláveis e (4) técnicas de monitorização e controlo da segurança dinâmica de operação em redes isoladas. Os veículos elétricos quando ligados à rede podem ser utilizados na regulação primária de frequência, consumindo ou fornecendo potência consoante a necessidade. Cargas controláveis podem também reduzir o seu consumo ou mesmo serem desligadas por requisito do operador de sistema.

 No caso particular do presente documento pretende-se aferir a possibilidade da utilização de sistemas de armazenamento como meio de promoção do aumento da integração de fontes renováveis em redes isoladas. A estes dispositivos será exigida a capacidade de injeção na rede de considerável potência durante pequenos períodos de tempo, por forma a reduzir as variações transitórias de frequência do sistema [3]. O objetivo será o melhoramento do comportamento dinâmico destes sistemas elétricos. Esta resposta rápida a variações de frequência é possibilitada pelo facto de estes dispositivos (p.ex. volantes de inércia, baterias ou supercondensadores) se encontrarem eletricamente ligados à rede através de dispositivos baseados em eletrónica de potência (conversores CC/CA ou CA/CC/CA) que permitem desenvolver estratégias rápidas de controlo. Neste caso, os inversores são o componente de maior importância, podendo ser controlado como fonte de tensão e utilizado para emulação de uma máquina síncrona convencional conseguindo controlar frequência e tensão tal como uma. Estes dispositivos podem também ser utilizados na criação de inércia “virtual”. O seu papel pode, assim, ser preponderante no desligamento permanente de grupos térmicos.

 Os sistemas de armazenamento podem ainda permitir aplicação no âmbito de estratégias de gestão de energia, podendo ser descarregados durante períodos de tempo prolongados ou absorver energia durante períodos de baixo consumo para a devolver à rede em períodos de maior consumo, contribuindo para a redução do preço da energia elétrica e para o nivelamento de carga.


Referências

[1] J. Ding e A. Somani, “A Long-Term Investment Planning Model for Mixed Energy Infrastructure Integrated with Renewable Energy,” em 2010 IEEE Green Technologies Conference, pp. 1-10, 15-16, Abril de 2010.

[2] Resolução do Conselho de Ministros, n.º 20/2013. Diário da República, 1.ª série – N.º 70 – 10 de abril de 2013, pp. 2022. Acedido a 26 de Fevereiro de 2015. Disponível em https://dre.pt/.

[3] M. H. Vasconcelos e J. A. Peças Lopes, “Flywheel Sizing for the Secure Operation of an Isolated Network with a High Level of Variable Generation,” em 2012 2nd International Workshop on Integration of Solar into Power Systems, pp.-, 12-13 de Novembro de 2012.

[4] M. H. Vasconcelos, C. L. Moreira, A. G. Madureira, J. A. Peças Lopes e V. Miranda, “Advanced Control Solutions for Operationg Isolated Power Systems: Examining the Portuguese Islands,” em IEEE Electrification Magazine, 3(1), pp. 25-35, Março de 2015.

[5] M. H. Vasconcelos, “Avaliação e Controlo de Segurança de Redes Interligadas com Grande Penetração Eólica com base em Métodos de Aprendizagem Automática,” Tese de Doutoramento em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, Área de Especialização de Energia, 326 pp.. Faculdade de Engenharia – Universidade do Porto, Porto. 2007.